PRESENTE

Presente



O mar é um ponto de vista
O diverso é sempre irreversível
Somos a arrogância que não tem medida
Fingimos provar vergonha pelas crueldades!

Sorridente não encontro a paz
Desejos são armas de insatisfação
O descabido na procura de sua aurora
Melancolia de historias não vividas!


Estou comigo perdidamente
Pensar-te ainda me consola
Alegria confusa e alma fugidia
Estranhos sonhos de atroz presente!


Corpo sólido ou melódico
Arte virtual de devaneios reais
O presente é o início do fim
Aprender a perder para não entrar em paranoia!


Agora não sei ao certo do futuro
Espero apaziguar as borbulhosas tensões
Conversas coloquiais e infra-mentais
Breve diário de estratégias do presente!


O que não existe e escorrega
Previsões de unidades jamais desfeitas
História entre esquemas solitários
Presente de um ausente presente!


Pe. Jorge Ribeiro
Outubro 2013


SOBRE A GRAÇA: SANTO AGOSTINHO

RESUMO DO LIVRO: A GRAÇA
AUTOR: SANTO AGOSTINHO



Síntese e notas de: Antônio Delson Conceição de Jesus Jesus


1.       INTRODUÇÃO

Segundo Agostinho, na sua obra escrita a pedido do tribuno Marcelino, “há coisas que Deus pode fazer, embora não se tenham exemplos para se dar”, numa discussão profunda sobre a possibilidade de um ser humano viver sem pecado, se não lhe faltarem a vontade e o auxílio divino. Esta foi uma discussão que provocou uma elaboração importante sobre a Graça divina e os benefícios eternos causadas na vida de um penitente. Assim, pelos recursos da Graça divina, que é eterna, um ser humano pode viver sem pecado, embora, não se tenha notícia de alguém na história da humanidade que tenha experimentado este estado, exceto, é claro, o Santo Jesus de Nazaré. Contudo, afirmamos que a Graça muda radicalmente e permanentemente a condição de um pecador perdido para aquela de filho remido pelo sangue de Jesus para sempre.  Pela Graça o homem sem nenhum mérito é considerado por Deus justificado dos seus pecados, através dos méritos de Jesus Cristo. Esta é uma questão legal do ponto de vista divino e não significa que o tal homem justificado não venha a pecar, mas que ele está justificado diante de Deus, por causa da sua fé em Jesus Cristo.  A situação legal é a seguinte: a justiça divina que condenava o homem não arrependido, agora, ela mesma o defende para sempre por causa da sua fé em Jesus e a base para esta justificação eterna são os méritos de Jesus Cristo, os benefícios eternos derivados da Sua cruz e ressurreição. O Espírito Santo é a pessoa divina que aplica na vida do penitente todos estes méritos de Jesus Cristo, levando-o a uma trajetória de transformação de caráter, apontando para o caráter/a estatura do varão perfeito, Cristo. Este é o alvo da fé em Cristo: levar todos a serem parecidos com o próprio Cristo. Assim, a Graça nos deu todos os recursos para alcançarmos uma estatura de maturidade cristã e de sermos parecidos com o Filho de Deus.  Usando o versículo II Co. 3:6, que diz que “a letra mata e o Espírito vivifica”, Agostinho argumenta que nem o livre-arbítrio, nem a prática dos mandamentos (justiça humana) são suficientes para justificar o homem – isto só é possível através da ação do Espírito Santo. Esta ação produz vida, enquanto que a lei das obras e dos méritos humanos, mantém os homens na sua condição de condenação, portanto, de morte. A Lei mantinha os homens sob um jugo de medo e não os transformava, nem os levava a um relacionamento com Deus que O agradasse. A graça traz a lei do amor, que não obriga o homem a fazer nada, mas o constrange a amar a Deus, levando-o a um relacionamento que agrada a Ele. Esta é a diferença entre a velha e a nova aliança. Na nova aliança todos são bem vindos, pois a justificação vem de Cristo e não dos homens. Na velha aliança, os judeus se sentiam signatários e exclusivos. Os gentios não eram contemplados. Na manifestação da Graça, os méritos são de Cristo e, portanto, todos, judeus e gentios podem chegar gratuitamente e livremente diante de Deus para um relacionamento, através da fé declarada em Jesus Cristo. Para Agostinho, o homem só seria capaz de querer-crer e querer-amar se lhe for dado por Deus, pois esses são dons de Deus.  Não há contribuição na obra da salvação da parte do homem, pois a vontade de crer é um dom de Deus, que é o que o Espírito Santo revelou para Paulo em Romanos 6:23, quando falou que a salvação é um dom de Deus. Ou seja, a fé necessária para o homem ser salvo, é doada ao homem para que ele seja salvo. A fé, portanto, é o princípio da justificação (Rm. 5:1). Arbítrio e lei, sem Graça, são ineficazes para justificar o homem.


  1. O ESPÍRITO E A LETRA
A afirmação de que não se deve negar a possibilidade do homem viver sem pecado pelo fato de não existir ser humano algum em que isso tenha acontecido (exceto Cristo) deixou Marcelino inquieto. Agostinho diz que afirmar isso é mais tolerável do que negar o poder da Graça divina, mas defende que não existe ou existiu ou existirá alguém que tenha alcançado tal grau de pureza. Se o caminho da verdade permanecer oculto, de nada vale a liberdade, a não ser para pecar. Então, é o Espírito Santo (o penhor da Graça) que derrama em nossos corações o amor (Rm. 5:5) que nos leva a amarmos a Deus e a desejarmos a participação na Sua Luz e isto não é obra do livre-arbítrio. A Graça, portanto, demonstra que há em Deus e no Seu poder uma causa pela qual é possível a realização desta obra na vida do homem, e na Sua sabedoria uma causa pela qual não é/foi realizada. Esta causa não é conhecida dos homens, pois a inteligência humana é incapaz de compreendê-la. A letra é identificada como a lei mosaica, que exige do homem obediência que ele é incapaz de realizar e isto o conduz à morte. A vida é que procede do Espírito que habilita o homem a fazer a vontade de Deus, ainda que não plenamente de forma perfeita. Sem o texto da lei, por outro lado, o Espírito ficaria sem voz1.  A Graça é sempre superabundante em relação ao pecado, mas, nem por isso, devemos justificar a prática do pecado por haver uma Graça maior para perdoá-lo, visto que em Cristo estamos mortos para o pecado. A lei faz o papel de convencer o homem do seu estado de domínio pela iniqüidade e o desperta para a necessidade urgente de alguém que o cure e que o liberte das suas conseqüências trágicas e eternas. Este alguém é o Deus Santo e Todo-Poderoso, que apresenta o remédio para o pecado na paixão e ressurreição de Jesus Cristo, o Redentor. É na morte e ressurreição de Cristo que estão figurados o fim da vida antiga (escrava sob o domínio do pecado) e o começo da nova vida (livre para servir a Deus), a abolição da iniqüidade e a renovação da justiça. Tudo isto não vem da lei, mas da fé em Jesus Cristo.  As obras dos homens podem justificá-los, mas não diante de Deus que esquadrinha os corações e a vontade mais oculta deles. Além disso, a nossa justiça é trapo de imundície diante de Deus (Is. 64:6). Os homens só podem fazer as verdadeiras obras da justiça, aproximando-se da Luz, que o ilumina para fazê-lo. A justiça de Deus já foi manifestada, não aquela  pela qual Deus é justo, mas aquela com a qual Ele reveste o homem, quando justifica o ímpio. Esta justificação é gratuita pela Sua Graça. Esta Graça cura a vontade corrompida do homem e a vontade curada cumpre a Lei, sem ser oprimida por ela. É pela lei da fé que se vive na justiça e isto é obra da Graça e só a ela deve ser atribuído o poder de se aperfeiçoar no amor. É pela fé que nos conferiu Cristo, que cremos que nos vem de Deus o poder viver na justiça e vivê-la com mais perfeição no futuro. Os homens, entretanto, na sua vaidade, atribuindo a si mesmos a sabedoria, apartaram-se da luz da verdade imutável e seu coração insensato ficou em trevas, visto que tiveram conhecimento de Deus pela natureza, não honraram a Deus e não lhe renderam graças. Só o conhecimento de Deus pela natureza não justifica o homem e, da mesma forma, saber a lei não justifica o homem. A vontade do homem necessita ser ajudada e elevada pelo Espírito difundido pela Graça. Assim, haverá vida e libertação e, portanto, justificação. O espírito da soberba engana os homens, fazendo-os ignorar a justiça de Deus e desejando estabelecer a própria justiça, não se sujeitando à justiça de Deus. A justificação, portanto, do ser humano é alcançada pela fé em Cristo, ou seja, pela lei da fé, não pela letra (lei das obras), mas pelo Espírito, pela Graça divina. Todo o Decálogo que proíbe o pecado causa a morte, visto que a letra mata. Contudo, a Graça liberta pela lei da fé em Cristo, ao difundir-se o amor nos corações pelo Espírito Santo. Neste sentido, a lei é santa, justa e boa, e o penitente experimenta esta dimensão sob a regência e a libertação que o Espírito lhe dá. A lei é boa, encerra um mandamento bom na letra que o expressa, mas não no Espírito que ajuda. No Espírito o preceito é observado por amor à justiça. Esta é a lei de Deus no homem interior que se deleita no dom do Espírito. É o Espírito vivificador que nos faz amar esta lei como se ela estivesse escrita em nosso interior.  Isto é possível a partir da conversão ao Senhor, na revelação da Graça no Evangelho de Jesus Cristo. O que estava ocultado no Antigo Testamento (AT), agora foi revelado com o rasgar do véu (II Co. 3:16). Agora o Espírito Santo foi dado e, agora, o homem encontra a verdadeira liberdade para servir a Deus por amor (II Co. 3:17). No derramamento do Espírito no evento do Pentecostes, a lei da fé foi infundida no interior dos homens convertidos e isto lhes comunicou a vida de Cristo. A lei antiga foi escrita fora do homem para atemorizá-lo exteriormente, enquanto esta para justificá-lo interiormente. A lei foi dada para que se procurasse a Graça e a Graça foi dada para dar pleno cumprimento à lei e isto é possível só pela doação do Espírito Santo ao coração do penitente. A Antiga Aliança foi violada pela ferida do velho homem, a qual não se curava pela letra. Já a Nova Aliança em Cristo, traz a cura pela novidade do Espírito que gera o novo homem. Esta verdade estava profetizada pelo profeta Jeremias (31:31-34). Este novo homem se renova interiormente dia a dia, segundo a imagem de Cristo e isto define a vida eterna: uma vida semelhante à de Cristo, começando aqui e continuando nas esferas celestiais (II Co. 4:16, Cl. 3:10, I Jo. 3:2). Neste relacionamento, Deus opera em nós o querer e o efetuar, não apenas porque conhecemos os preceitos da justiça, mas porque Ele nos dá o crescimento espiritual interior (Fl. 2:13, I Co. 3:7, Rm. 5:5). A Graça remove pelo perdão dos pecados, a barreira que nos afastava de Deus e nos habilita a conhecermos a Ele com profundidade, sendo nós judeus ou gentios (de qualquer outra nação). Assim, a salvação não é racial, institucional ou de propriedade particular de alguém, mas é pela Graça divina, mediante a fé no Filho de Deus. Pela fé, todos os que crerem em Jesus Cristo, serão salvos! O Senhor preanunciou isto a Abraão, quando disse: “em ti serão abençoadas todas as nações da terra” – é a descendência de Abraão que é Cristo (Gl. 3:8,16). E o que dizer da imagem de Deus naqueles que ainda não foram regenerados? Ela não foi destruída completamente, pois mesmo os maus em sua vida íntima cumprem e amam alguns preceitos da lei e isto é também obra da Graça divina na restauração da natureza. Esta imagem é renovada, restaurada mediante a regeneração pela mesma Graça. No reino de Deus, os santos serão diferenciados uns dos outros como uma estrela da outra (I Co. 15:41) e na aplicação do juízo eterno, alguns ímpios serão mais castigados do que outros, devido aos pecados cometidos sob a paciência de Deus. Se o ímpio pratica alguma boa obra, isto é vestígio da imagem de Deus que há em sua vida.  Mas, o cumprimento da lei por parte do homem exige que Deus opere nele pela fé de Jesus Cristo, o qual é a finalidade da lei para a justificação de todo o que crê. Assim, qualquer um pode praticar a justiça em Cristo, auxiliado pela Graça manifestada na agência do Espírito Santo. Jesus disse: “sem Mim nada podeis fazer” (Jo. 15:5). Ou seja, a prática da justiça só é possível ao que for justificado em Cristo pela fé. A alma pratica o bem, uma vez que foi curada não pelo temor do castigo, mas pelo amor da justiça. Pela Graça cumpre-se a lei, consolida-se a liberdade, curando-se a vontade, pela qual se ama livremente a justiça. Mas a fé, com a qual cremos em Deus, está em nosso poder? A fé está em nosso poder, mas é dada por Deus. Esta é a fé que leva a crer em Deus. Não é a fé em Deus por temor do castigo, mas a que opera pelo amor à justiça (Gl. 5:6), dada pelo Espírito (Rm. 5:5), num relacionamento familiar de Pai e filho.  Existe a vontade má, que já é pecado. Os maus recebem poder para condenação de sua má vontade (Jo. 19:11, Rm. 1:24), mas os bons o recebem para prova de sua boa vontade.  Mas, a vontade de crer vem também de Deus? Deus deixou os homens livres para usarem bem ou mal a sua vontade e para serem julgados com justiça. Ele quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade (I Tm. 2:4), mas não ao ponto de tirar-lhes a liberdade de escolha. Se optar em fazer a vontade de Deus, as boas obras o libertarão da corrupção da morte, mesmo em seu corpo. O amor de Deus é difundido em nosso coração não pela força da vontade própria, nem pela letra da lei, mas pelo Espírito que nos foi dado. Isto, porque é Deus quem opera em nós o querer crer, através de meios externos e internos, derivados da Sua misericórdia. Este querer deve ser acolhido pela vontade livre do homem. A Graça não somente manifesta o que há de fazer, mas também o ajuda para que possa fazer o que ela manifesta. É o caráter do favor divino. Contudo, não há exemplo algum de pessoas que tenham vivido na justiça perfeita, mas não é impossível fazê-lo em Deus. Na realidade, se toda justiça se cumpre ao amarmos a Deus de todo o nosso coração, de toda a nossa alma e de todo o nosso entendimento e ao nosso próximo como a nós mesmos, verifica-se que nós tropeçamos freqüentemente. Mas, quanto maior o conhecimento que temos do Senhor Deus, maior será o nosso amor, e quanto falta agora à perfeição do amor falta à perfeição da justiça. Esta é a medida do nosso “não pecar” aqui na terra. Quando O contemplarmos face a face, seremos perfeitos e amaremos a Deus com perfeição e isto deve ser a nossa aspiração futura (Fl. 3). Enquanto vivemos aqui, não conseguimos frear ou extinguir todos os movimentos pecaminosos terrenos, mas podemos com aquilo que Deus nos dá, nos abstermos do pecado, impedindo-o de imperar em nossas vidas (Rm. 6: 12,14). Há algo no oculto e profundo dos juízos de Deus que leva os lábios dos justos a se abrirem para louvar apenas a Deus.


  1. A NATUREZA E A GRAÇA
Agostinho escreve esta obra como resposta aos pontos errôneos ou suspeitos na obra de Pelágio, na qual a natureza humana é defendida em contrapartida à Graça de Deus. Agostinho a considerou heresia e enviou cartas ao bispo de Jerusalém, João, e também ao papa Inocêncio, acompanhadas dos dois livros: o seu e o de Pelágio, para que eles ficassem a par dos acontecimentos. Pelágio em sua doutrina ensinava que a natureza humana era sadia e íntegra, em equilíbrio moral, capaz de cumprir toda a lei, tal que o pecado não a atingira, negando a inclinação desta natureza para o mal, devido a sua queda. Para ele o homem teria tudo o que necessita para alcançar a justiça e, por isso, não necessita de oração e de graças, além daquelas que o Senhor Deus já lhe dera no ato da criação. Com isso, sustentava o homem viver sem pecado. A Graça seria a própria natureza e a liberdade, e a Graça sobrenatural não seria necessária e, neste caso, ela seria incompatível com o livre arbítrio. Para Agostinho, a natureza está enferma e debilitada por causa do pecado e necessita urgentemente do socorro divino, ou seja, da Sua Graça. É a Graça que aperfeiçoa, cura e santifica o homem. A transgressão e os seus efeitos foram transferidos às gerações humanas sucessivas e elas só alcançariam a salvação através da Graça divina. Não há mérito humano, há o dom de Deus, a Graça. Há a cooperação humana no sentido da prática das boas obras, que o Senhor opera em nós. No âmbito desta prática, e da oração e do estudo das doutrinas, a fé é revelada. As obras, entretanto, manifestam a Graça e não a conseguem. Mas, para Pelágio, que negava o nascimento da humanidade sob o pecado original, a redenção de Cristo também era negada. Pelágio entrou para a história com uma pecha de “inimigo da Graça” e defensor de uma natureza humana incorruptível. Agostinho, como o título de “doutor da Graça”, afirmou a degradação completa da natureza humana, desde a queda de Adão. As grandes doutrinas católicas do pecado original, da Graça, da predestinação e da satisfação vicária derivaram desta polêmica. E sobre a justificação? Para a justificação, apenas a fé em Cristo. Caso contrário, Ele morreu em vão. Se a justiça vem da natureza humana, então ninguém pode alcançar a justificação e a redenção, a não ser pela fé e pelo mistério do sangue de Cristo. A natureza humana está doente a ponto de necessitar de iluminação e de cura. A origem deste mal é o pecado original cometido por livre vontade e, por isso, atrai com justiça a condenação, adultos ou crianças. Toda a raça humana merece o castigo e sua punição não seria injusta.  Ao Criador não cabe culpa alguma. Mas, Ele mesmo providenciou em Seu Filho a redenção aos que creem. Desta forma e ao contrário do que pensava os pelagianos, não é admitido no reino dos céus aquele que não somente não é, mas também aquele que não pôde ser cristão, adulto ou criança. Os que não puderam ouvir o nome de Jesus Cristo não podem se justificar pela natureza e pelo arbítrio da vontade. Se isto fosse admitido, então a justificação seria possível sem Cristo e Ele teria morrido em vão.  Pelágio deu a impressão de que admitia contra si mesmo, a necessidade da Graça para que se pudesse viver sem pecado. Mas, Agostinho percebe em suas afirmações que ele, de fato, atribuía à natureza do homem a tal capacidade, negando, portanto, a Graça. O próprio Pelágio admitia não viver sem pecado, mas afirmava que isto era devido à negligência humana e não devido a uma incapacidade nata. A oração e súplica ao Senhor permitem ao homem ter o auxílio da Graça e de arregimentar forças para vencer o pecado em sua caminhada, dizia Agostinho. Mas, Pelágio não fala da necessidade da oração para evitar o pecado.  Ele apenas admitia a misericórdia de Deus somente no perdão dos pecados cometidos e negava a necessidade da Sua ajuda para se evitar os futuros. É claro, que Cristo foi o único que viveu isento do pecado. Mas, os nascidos de Deus, não devem pecar. A língua que nenhum homem pode domar é domada pela sabedoria que vem do alto e não brota do coração humano. Pelágio argumentava que se o pecado (ato de uma má ação) não tem substância, então por que ele seria capaz de enfraquecer e modificar a natureza humana? Agostinho confirma que o pecado não é substância, mas afirma que Deus o é, e que é o único alimento de criatura racional, tal que afastando-se dEle pela desobediência, esmorece-se e morre-se (Sl. 102:5). A questão do pecado na descendência de Adão. Para Pelágio, não há necessidade da cura da alma pelo Médico divino, dizendo que os descendentes de Adão gozam de boa saúde espiritual. Ele discorda do fato do pecado punido levar a outros pecados, devido ao obscurecimento do coração insensato (Rm. 1: 18-32). Agostinho afirma este princípio, alegando que estes ímpios que se afastam da luz da justiça, tornam-se envoltos em trevas e, por isso, continuam a fazer as obras das trevas. Eles estão mortos e necessitam de alguém que lhes dê a vida. E sobre o mal, o que dizia Pelágio? Ele sustentava que “mal algum é causa do algum bem”, mas há males que trazem proveito pela admirável misericórdia de Deus. Agostinho considera Pelágio um herege e recomenda que não se discuta com ele, mas que ore por ele. Vida piedosa, devida a que?  O fato de alcançarmos uma vida piedosa é porque o Deus que nos curou, continua conosco em nossa caminhada. Ele nos antecedeu para que levássemos uma vida de forma santa e nos acompanha para com Ele vivermos sempre, pois sem Ele nada podemos fazer (Jo. 15:5, Sl. 59:11, 23:6).  Ou seja, a cura divina não somente apaga os pecados, mas também age no penitente para evitar o pecado. A sua cura depende mais da sua misericórdia do que de nossas forças, pois é Deus quem opera em nós o querer e o efetuar, segundo a Sua vontade (Fl. 2:12,13), mas a soberba afasta o homem de Deus e causa pecado. Nem todo pecado é soberba - dizia Pelágio, contudo, a soberba pode ser vista nas más obras como também nas boas obras. De qualquer forma, o pecado é do homem e a sua cura depende de Deus. A voz divina inspira temor aos que andam pelo caminho da justiça, impedindo-os de se orgulharem de suas próprias forças, pois a humildade deve acompanhar a verdade e não a mentira. A promoção futura do justo será tão sublime e elevada, mas eles não serão convertidos  em substância de Deus, chegando ser o que Ele é. Ainda que alcançássemos uma justiça tão perfeita, a ponto de não mais podermos progredir, não nos igualaríamos ao Criador.  Mas, para Pelágio, se vivemos em pecado, ao morrermos, seremos condenados. Ou então, podemos viver aqui sem pecado, o que nos levaria a morrermos sem pecado e a alcançarmos a glória. Agostinho responde dizendo que não vivemos aqui sem pecado e que próximo à morte estaríamos libertados desta condenação por causa da “cobertura” da oração diária, na qual suplicamos ao Senhor o perdão dos nossos pecados. Pelágio afirma que os santos do Antigo Testamento não viveram em pecado e viveram na justiça. Agostinho discorda completamente, excetuando Maria mãe de Jesus, que, segundo ele, alcançou Graça superior para “vencer totalmente o pecado” 2, todos os demais santos do AT, se perguntássemos a eles, eles responderiam com as palavras de João: “Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós” (I Jo. 1:8). Pelágio, realimentando esta sua idéia, afirma que se os santos do AT tivessem cometido pecado, as Escrituras o teriam dito, o que é um absurdo, segundo Agostinho, porque o fato das Escrituras os terem chamados de justos, não era porque não tinham pecado. Eles não viveram sem pecado, mas conseguiram abster-se de pecados, sob a ajuda da Graça divina. Agostinho acusa Pelágio de não querer confessar que a natureza humana está corrompida. O homem foi criado por Deus sem culpa e são, dotado de livre-arbítrio e de capacidade para viver a justiça, mas o pecado lhe tirou esta condição e só a Graça divina pode lha devolver. Não pecar não depende somente de nós, embora o ato de pecar seja nosso. Pelágio defende a idéia de que o não pecar depende de nós, sem o auxílio medicinal do Salvador e isto se deve à eficácia da natureza humana. Por que ele pensava assim? No discurso ele termina revelando que entende a Graça incrustada na própria natureza, uma vez que ela é obra de Deus. Desta forma, ele confirma que o não pecar vem da Graça de Deus, mas de forma indireta e distorcida, desconsiderando o fato da carne ter, pelo fato da queda, aspirações contrárias ao homem (Gl. 5:17) e pelo fato da referida Graça ser a da criação.  Agostinho argumenta que se a carne (natureza humana) é boa, porque foi feita por Deus que faz tudo bom, então o espírito que combate contra a carne também é bom. Assim, esta oposição só poderia ser explicada com a causa na vontade (vícios carnais) que, para a cura da natureza, necessita do Salvador. Desta forma, o homem precisa da Graça de Deus, não a da criação, mas a da redenção, a qual Pelágio desconsidera. A carne ser contrária ao espírito não é algo natural, é um defeito. A natureza é ineficaz para os batizados e para os não-batizados. Não é como o frio ser oposto ao calor, que é próprio da natureza. Contudo, há uma lei da liberdade, da não escravidão, do amor e do não temor. É a lei do Espírito, tal que os que são guiados pelo Espírito não estão debaixo da lei do pecado (Gl. 5:17,18). A experiência humana tem mostrado que a justiça plena não se alcança neste mundo. Viver na justiça, num verdadeiro culto a Deus, é lutar interiormente com o mal interior da concupiscência, mas alçar a perfeição é não sentir absolutamente os ataques do adversário, satanás. Agostinho diz que necessitamos do auxílio divino para resisti-lo. Há uma necessidade de pecar, não devido à condição humana em si, mas enraizada na deformidade da natureza. O tentador usa esta necessidade contra nós. Oremos para não entrarmos em tentação, pecando contra Deus. Com o socorro de Graça esta imperiosa necessidade desaparece, dando lugar à plena liberdade concedida por Deus.  Segundo ele e outros autores esclesiásticos, os cristãos piedosos estão convencidos da possibilidade desta perfeição (o viver sem pecado), mas não admitem esta possibilidade sem o Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem. Jerônimo, por exemplo, se refere aos “puros de coração” àqueles cuja consciência não acusa de pecado, mas como obra da Graça que leva o penitente a contemplar a Deus com coração puro. Para todos os efeitos, os homens são por natureza filhos da ira (Ef. 2:3), mas o pecado não está na nossa incapacidade humana de dominá-la, mas no desprezar o Médico que pode fazê-lo pelo poder da Sua Graça.  Quando sentirmos dificuldades, devemos suplicar a Deus em preces incessantes, cheias de piedade e Ele nos livrará. Somente para o amor, o fardo é leve, pois Deus não nos impõe preceitos impossíveis (I Jo. 5:3) e, quando eles forem difíceis, temos a Sua santa ajuda. Como pode ser pesados os mandamentos do Senhor, se são mandamentos de amor? A justiça perfeita é sinal do amor perfeito e isto é obtido quando desprezamos esta vida presente pela eterna que nos espera.


  1. A GRAÇA DE CRISTO E O PECADO ORIGINAL
Pelágio combatia a idéia de que o pecado original de Adão fora transmitido a todos os homens e, em conseqüência, a morte. Para ele o pecado de Adão fora apenas um mal exemplo dele para os homens. Combatia também o fato da salvação se obter pondo-se em prática os preceitos evangélicos (idéias defendidas por Jerônimo). Ele tinha apoio dos ricos cristãos de Roma. No sínodo em Cartago a Igreja reagiu contra suas doutrinas. Depois de muitas edições de concílios, com diversas decisões contra ou a favor da doutrina pelagiana, finalmente ocorre condenação definitiva dela em Orange, em 529, e a igreja retoma a doutrina agostiniana do pecado original. Foi em Cartago, em 418, que Agostinho publicou os dois livros: A Graça de Cristo e o Pecado Original, em resposta à heresia pelagiana. Agostinho escreve estes livros e os envia para seus amigos Albina, Piniano e Melânia que moravam no Oriente, onde os cristãos não conheciam completamente as controvérsias provocadas por Pelágio. Pelágio reduzia a Graça à força da natureza e ao livre-arbítrio e ainda negava a existência de uma Graça sobrenatural que ajudasse o penitente na sua vida de abster-se do pecado. Para ele, a Graça era obtida quando o penitente se empenhava em realizar obras do bem. A Graça seria dada aos homens pelos seus próprios méritos, algo que Agostinho refutava veementemente, dizendo que Deus não leva em conta as obras dos homens para lhes conceder a Graça e a salvação. Para Pelágio bastava ser bom cristão para alcançar a salvação, mas isto era ensino cínico e estóico e nada tinha a ver com a salvação pela Graça divina. Essa doutrina desvalorizava a redenção de Cristo. A questão do pecado original continuava, pois Agostinho não tinha resposta satisfatória para a questão das crianças herdarem o pecado dos seus progenitores. Segundo Agostinho, já que Adão recebera a santidade e a justiça originais não só para ele, mas para toda a humanidade, ao ceder à tentação, pecando, ele também o transmitiu a todos. O homem é por si mesmo incapaz de fazer e até de querer o bem e, portanto, sua salvação depende inteira e somente da Graça divina e Deus a dá, sem os méritos pessoais.   A doutrina agostiniana tinha como base a morte redentora de Jesus Cristo, tal que sem ela não há expiação dos pecados e nem a reconciliação da humanidade com Deus. A redenção é universal e, portanto, a queda foi universal, contrariando o pensamento pelagiano. A natureza humana é transmitida privada de santidade e de justiça originais a todos os homens. Mas, a transmissão do pecado é um mistério que não podemos compreender plenamente. Contudo, a Graça é a que nos santifica e nos liberta, não só nós, mas também a todos os justos da antiguidade.


  1. LIVRO PRIMEIRO – A GRAÇA DE CRISTO
Agostinho critica a falsidade de Pelágio que nas atas episcopais condenam os que dizem a Graça consistir no livre-arbítrio ou na lei ou na natureza, ou na doutrina e também os que dizem que ela é doada conforme os méritos pessoais, enquanto que nos seus livros afirma o que ele condena. Três fatores para o cumprimento dos mandamentos divinos são estabelecidos por Pelágio: 1) a possibilidade de ser justo, outorgada pelo Criador na natureza; 2) a vontade de ser justo; 3) a ação de ser justo, ação justa. Estes dois últimos estão no poder do homem e o primeiro, não. O primeiro recebe a ajuda de Deus, mas os outros não a recebem. Agostinho critica-o, dizendo que desta forma os dois últimos que dependem de nós seriam tão eficazes que não dependeriam da ajuda divina e que o primeiro seria tão impotente que sempre dependeria do auxílio da Graça.  Assim Deus não nos ajuda para o querer nem para o agir, mas nos auxilia para que possamos querer e agir. A Graça seria o que Deus mostra e revela (lei e doutrina) para agirmos, não a que outorga como ajuda para agirmos. Agostinho cita Fl. 2:12,13 que diz que Deus é que opera em vós o querer e o agir, negando completamente o argumento de Pelágio. A lei é muito diferente da Graça, segundo Agostinho. Ela mostra a doença, mas não a cura. Obriga os seus transgressores a recorrerem à Graça para se libertarem do pecado e para superarem a má concupiscência mediante a ajuda. Neste sentido, ela é pedagoga até Cristo (Gl. 3:21,23,24). A lei agora não é mais aquela que se teme ao conhecer o que Deus ordena, mas aquela que é possuída amando a Ele que a outorga, a fim de que aquele que se gloria, se glorie no Senhor (I Co. 1:31). Mas, para Agostinho,  é pela Graça que a força se aperfeiçoa na fraqueza, conduzindo o penitente segundo os desígnios de Deus à suma perfeição e glorificação, levando-o a praticar o que conhece e a amar o que crê. A Graça pode ser chamada de doutrina, na dimensão de que é Deus que nos concede o conhecimento e nos comunica o amor para servi-Lo (I Co. 3:7, I Ts. 4:9-10). Assim, quem sabe o que deve fazer, e não o faz, ainda não aprendeu de Deus mediante Sua Graça, mas mediante a Lei. A justiça que vem de Deus é aperfeiçoada pelo amor. Se alguém vem a Deus é porque teve ajuda dEle para, não somente saber o que fazer, mas também fazer o que souber. Isto é quando Deus ensina pela Graça do Espírito (Jo. 6:45). Pelágio diz que o poder vir depende da natureza ou de uma Graça como sendo “a possibilidade recebe ajuda” e o vir, ele diz depender da vontade e da ação. Para ele, portanto,  o falar, o fazer e pensar  pertencem a nós e a Deus. Mas, se fosse assim, como a glória é nossa e de Deus na prática do bem, então, nas más obras a culpa é nossa e dEle também, o que é uma grande heresia, pois Deus é perfeito. Para Agostinho, não existe raiz comum para o bem e o mal na vontade humana. É a infusão da Graça de Deus que torna boa a árvore e que a capacita para produzir bons frutos. A maldade na árvore é infundida quando se faz o mal e se recusa o bem imutável, visto que isso gera a vontade corrompida. Quando o homem peca, o faz por força da concupiscência e não por força do amor (I Jo. 3:9). Pelágio argumenta que a Graça é recebida pelo mérito da vontade humana, enquanto Agostinho diz que a Graça não pode ser pagamento de algo que é devido, pois Deus não nos deve nada. Se chegamos a Ele, é porque Ele nos levou a Ele. O coração do homem pode ser influenciado para o bem, fazendo operar não apenas revelações, mas também a boa vontade. Sem a ajuda divina não podemos desejar nem praticar o bem. Para Pelágio, “o podermos pensar bem depende de Deus, mas o fato de pensarmos bem depende de nós”. Mas, as Escrituras dizem que a capacidade nossa de pensar vem de Deus (II Co. 3:5). Não teríamos com que amar ao Senhor, se não recebêssemos dEle o amor (I Jo. 4:10,19). O pensamento pelagiano afirma que com o livre arbítrio o homem pode evitar o pecado com certa dificuldade, mas que a Graça o ajudaria, facilitando a tarefa. Agostinho afirma que o evitar o pecado é obra da Graça em nossas vidas e que o livre-arbítrio não tem essa capacidade ou dignidade. Mas, Jesus disse: “sem Mim, nada podeis fazer” (Jo. 15:5). Nos escritos de Pelágio e Celéstio lidos por Agostinho não há a confissão de que somos justificados pela Graça e que o amor de Deus é difundido nos nossos corações pelo Espírito Santo de Graça. Eles não percebiam que o que Deus promete, executa pela Graça. Pelágio insiste em afirmar que a Graça é doada ao homem de acordo os seus méritos. E a fé? A fé parece ser uma Graça devida e não um dom de Deus.  Pelágio dizia também que a Graça consistia no exemplo de Cristo a imitar e não no Seu auxílio efetivo contra a prática do pecado. Basta a nós mesmos as forças do livre-arbítrio, não necessitando de nenhum outro auxílio para não fraquejarmos na caminhada. A Graça pode ajudar a encontrarmos o caminho com mais facilidade. Sem ela conseguiríamos, com dificuldade. Para Agostinho isto é o mesmo que entrar na glória pelo mérito humano. Trata-se apenas de apego de Pelágio às suas próprias opiniões, demonstrando ignorância com respeito às Santas Escrituras. Pelágio usa a doutrina de Santo Ambrósio, tentando fazê-la parecer a dele, mas para Agostinho se tratava de uma manipulação, pois Ambrósio depunha a favor da Graça e não dos méritos humanos em sua doutrina, que declarou que “ser imaculado desde o princípio é impossível à natureza humana”.


  1. LIVRO SEGUNDO – O PECADO ORIGINAL
Pelágio e seu discípulo Celéstio afirmavam que a humanidade não está sujeita às conseqüências do pecado do primeiro homem, Adão, e que as crianças que nascem estão no mesmo estado que ele antes da desobediência. Esta era a grande controvérsia em torno do pecado original, se transmitido ou não desde o nascimento do homem. Contudo, ao serem chamados pelos juízes católicos, ambos usaram de manipulação nos argumentos e na interpretação, afirmando o que era louvável e ocultando o que era condenável de suas doutrinas, enganando, inclusive, os bispos da Palestina. Celéstio concordou com a necessidade do batismo para as crianças, mas recusou confessar que lhes passe o pecado do primeiro homem. Pelágio argumentava que o pecado não nascia com o ser humano e que ele não está entranhado na natureza, mas na vontade. Assim, a natureza humana não era corrompida e, portanto, podia-se atribuir a ela a salvação, o que imediatamente negava a Pessoa do Salvador. Ao ser interrogado, Pelágio até condenava as afirmações de Celéstio com a intenção de escapar de ser considerado um novo herege, mas as suas proposições eram idênticas as dele. Celéstio não condenou alguns pontos da sua doutrina e de Pelágio para não fazer a confissão de que há a transmissão do pecado de Adão.  Contudo, ele confirma as suas próprias doutrinas nos seus livros e também nas obras que publicou depois dos interrogatórios nos sínodos. Ele acreditava que o primeiro pecado lesou apenas a Adão e não os demais seres humanos por natureza. Os demais homens apenas seguiram o exemplo ruim do seu pai Adão. Os bispos ignorando o que Pelágio ocultava, julgaram que ele sentia o que a Igreja Católica sempre ensinava, mas da parte de Pelágio, tudo não passava de uma fraude para escapar da flagrante heresia. Celéstio se contradiz, assim como Pelágio, porque afirmava que se as crianças não forem batizadas, o seu destino seria a morte eterna, enquanto admitia ao mesmo tempo que a elas não fora transmitido o pecado original - Como poderiam, então, ser condenadas à morte eterna se eram inocentes?  Já Pelágio nesta questão não declarava tanta clareza. Ele dizia que não sabia para onde iam as crianças que não foram batizadas. Diante dos interrogadores ele se mostrou concordante com a fé católica. Celéstio em Cartago deu explicações sobre sua fé, em questões alheias à matéria do interrogatório, a fim de não parecer ter errado em assunto de fé, mas em questões alheias a ela. Desta forma, tentava tornar o seu erro plausível de correção e não identificá-lo como heresia. Para Agostinho os postulados da verdadeira fé têm base no único Mediador que envia o Espírito Santo, que sopra onde quer, origem dos merecimentos, o qual infunde nos corações dos homens o amor de Deus e os ajuda a se afastar da prática do pecado. Isto tudo é obra da Graça que não será Graça de forma alguma, se não for totalmente gratuita. Esta Graça sempre existiu e foi ela que libertou os crentes do passado (antes de Cristo) pela mesma fé que tem os crentes depois de Cristo. A Lei e os profetas testemunhavam dela (Rm. 3:21). Ela é manifestada em plenitude em Cristo Jesus (Jo. 1:17). Pelágio e Celéstio dividiam as épocas, dizendo que os homens justos viveram primeiramente conforme a natureza, depois sob a Lei e, finalmente, sob a Graça. Mas, Agostinho contra-argumenta dizendo que todos receberão a vida em Cristo (I Co. 15:21-22), reafirmando a eternidade da Graça do Mediador e das Suas realizações. Cristo é o mediador para a vida de todos os homens, de todos os que morreram em Adão. O seu sacerdócio é eterno. Ninguém, absolutamente ninguém se isentou ou se isenta ou se isentará do pecado, a não ser pela Graça do Redentor, diz Agostinho. A justificação pela fé foi prefigurada pela circuncisão, segundo ele, pois sem a circuncisão uma pessoa era excluída do povo de Deus. Ela era algo tão especial que nem mesmo a morte física excluía a pessoa circuncidada deste povo (Gn. 25:17). É dito que alguém que morre em Israel vai se unir com os seus pais. Assim, uma criança circuncidada simbolizava uma criança batizada e, portanto, salva da morte eterna pelo sacramento do batismo. O casamento e a questão da propagação do pecado original. Os pelagianos condenavam o casamento e ainda diziam que aquele que é gerado nele não é obra de Deus. Mas, Agostinho diz que tanto a natureza quanto o pecado que contaminam a natureza se propagam juntos. Assim, o casamento é um bem em tudo o que lhe é peculiar, o preceito da procriação, a fidelidade conjugal e o sacramento da união. Devido a ele, esta união não é somente lícita, mas também útil e honesta. Havia o casamento antes do pecado, pois fora dada potência ao sêmen ao homem e dito “crescei e multiplicai-vos” (Gn. 1:28). Nesta época a união conjugal era devida ao arbítrio da vontade e não sob o ardor desenfreado da sensualidade e do vício. Agora, o bem do matrimônio se mantém na prole, na castidade conjugal e no sacramento, ainda que com a concupiscência carnal da qual ele se envergonha. De fato, a geração humana submete a criatura a essa raiz condenada, da qual a liberta somente a regeneração espiritual. Ela culminará na futura ressurreição, quando não somente não cometeremos pecados, mas também não teremos desejos pecaminosos que nos levam a consentir nos pecados. Segundo o Espírito de Deus através de Paulo, adquiriremos a incorruptibilidade e a imortalidade, que é o último estágio da igreja aqui na terra, depois da justificação e santificação – a glorificação (I Co. 15:53,54). Contudo, enquanto viverem na terra, os homens  regenerados não purificam a geração dos seus filhos, ou seja, seus filhos não são gerados justificados, mas réus, por causa do pecado original. Pelo sacramento do batismo, as crianças são libertas da culpa original, pois são batizadas para remissão dos pecados. Elas são libertas da escravidão do diabo. Deus criou as crianças por Sua bênção, mesmo elas nascendo sob o pecado original, da mesma maneira que faz nascer o sol sobre justos e injustos. As forças das trevas que escravizam os homens foram vencidas pela humildade do Filho de Deus, que assumiu a fraqueza humana. Ele foi o único absolutamente Santo entre os nascidos de mulher que, pela novidade do parto imaculado3, não conheceu o contágio da corrupção terrena e o rechaçou com Sua celestial majestade, disse Ambrósio. Para Agostinho, Pelágio e Celéstio devem ser condenados merecidamente pela autoridade da Igreja Católica como desviados do caminho da fé. Eles elogiaram Santo Ambrósio numa tentativa de identificar suas heresias com afirmações dele, mas com isso negaram sua sã doutrina. Eles devem se arrepender deste feito.


ALGUNS COMENTÁRIOS PESSOAIS A ESTA OBRA:
 1neste ponto discordo do comentário na nota de rodapé de Roque Frangioti, visto que a lei não consegue esgotar todo o caráter de Deus. Dizer que sem a lei o Espírito seria afônico é reduzir dramaticamente a revelação do caráter de Deus a apenas o código escrito. O pecado seria tudo que se opusesse à santidade de Deus e o limite disto não pode ser escrito em todos os livros do mundo. Assim, pecar é se opor à santidade de Deus, estando o preceito escrito ou não. O Espírito que habita no penitente ensinará a ele a lei escrita, mas também lhe dirá algo das profundezas de Deus, lhe comunicará tudo aquilo que Ele ouviu de Jesus. Se o penitente desobedecer a qualquer voz do Espírito, cometerá pecado, mesmo que o tal preceito não esteja no código escrito. Assim dizemos que a lei da fé, infundida no nosso interior é uma lei espiritual que excede o código escrito.
2dizer que Maria viveu totalmente sem pecado é cometer dois erros desnecessários à fé cristã: 1) Uma aporia agostiniana. Agostinho tinha dito que só havia existido um único ser humano sem pecado, Jesus Cristo o Filho de Deus. Ele mesmo apresenta o testemunho das Escrituras Sagradas sobre esta questão. Como agora, ele afirma que Maria alcançara uma Graça que a fez viver totalmente sem pecado. Não há prova canônica sobre esta questão. Deus escolheu Maria para cumprir a Sua Palavra sobre a descendência de Davi, etc. para o Messias. Na época de Maria, existiam outras virgens também fiéis. Maria foi escolhida não pelos seus méritos, não porque não fosse um ser humano normal que pecava, mas porque Deus tinha um plano e um propósito naquela escolha; 2) Uma heresia, pois dá a Maria atributo da divindade, de perfeição sem pecado. Nenhum texto bíblico ou mesmo testemunho da igreja mostra o Senhor Deus atribuindo este atributo a qualquer ser humano.

3não foi apenas o parto imaculado, mas o fato dele ter nascido Santo devido a Sua divindade. Não foi o fato de ter nascido de uma virgem que “santificou” a Cristo no Seu nascimento, mas o fato dEle ser Santo por natureza como diz o texto em Lucas 1:35. Dizer que Maria não tinha pecado para poder santificar Jesus Cristo no seu nascimento é declarar que não houve milagre na concepção, na obra do Santo Espírito de Deus. O milagre está em nascer um Santo de alguém que não era santo, no sentido da perfeição. Só Deus poderia fazer Seu Filho nascer Santo através do ventre de uma pecadora, sem que o pecado original que todos os homens e mulheres são participantes, contaminar o bebê Jesus. Se Maria tivesse de ser sem pecado para este feito, os seus pais deveriam ter sido também sem pecado, para que ela não herdasse o pecado original. Além disso, se seus pais fossem assim, os avós de Maria também. Então, onde chegaríamos com esta condição? Chegaríamos em Adão e negaríamos a transmissão do pecado original, que é uma doutrina pelagiana, que a igreja abandonou. 

AGOSTINHO DE HIPONA

  1. AGOSTINHO

1.1.         VIDA
Agostinho cria e tenta resolver problemas filosóficos pensando em si e nos seus dilemas e inquietudes morais e intelectuais. O que ele expôs como filosofia e teologia foram geralmente respostas para questionamentos seus. As suas investigações têm como centro a próprias características morais e intelectuais.
             O objetivo de Agostinho é conhecer a alma, ou seja, a sua própria interioridade e para isso ele tem que passar pelo conhecimento de Deus. Ele busca desvendar os mistérios da fé e esta é o fim das suas inquisições, mas a fé é também uma exigência e guia para que as investigações sejam feitas.
            A fé é um antecedente necessário da filosofia de Agostinho e para ele a fé é a percepção de ter sido tocado de alguma forma por Deus. Essa percepção além de mudar a forma de pensar muda também a forma de viver. A filosofia é um meio para melhor pensar, para melhor compreender a fé. Mas a fé não se coloca no lugar da inteligência, a fé incentiva a inteligência, o pensamento é também condição para que exista a fé. O conhecimento também não elimina a fé, esta se torna mais forte através da inteligência. A fé procura e a inteligência localiza e descobre.
            Agostinho busca conhecer Deus e a alma, mas para ele essa busca é uma só, pois Deus se faz conhecer no interior da alma. Para conhecer Deus devemos conhecer a nossa alma. É em nossa interioridade que devemos tentar encontrar Deus. Se não buscarmos a nós mesmos, ao mais profundo de nós mesmos, não encontraremos Deus e não vamos conhecê-lo.
  Além de Deus ser amor, Deus é a condição para que exista o amor. Para que possamos conhecer o amor de Deus temos que estar amando as outras pessoas. A esse amor aos homens Agostinho chama de amor fraterno ou caridade cristã. Amar a Deus é algo natural e intrínseco à natureza humana, pois somos imagens de Deus nosso criador que é a verdade eterna e a verdadeira eternidade.
  Deus é o criador de tudo que existe no tempo, mas ele é criador também do tempo. O tempo começou com a criação, antes dela não existia tempo e Deus está fora do tempo, pois é eterno. Em Deus não existe passado ou futuro, ele é imutável e um ser imutável como Deus vive um eterno presente.
Para agostinho o tempo do homem é medido pela alma e para nós existe um passado e um futuro porque somos seres mutáveis e não podemos viver em um eterno presente. O passado é uma memória guardada na alma e o futuro é a alma que espera os acontecimentos. O presente é um constante deixar de ser tanto do futuro como do passado, é uma intuição. Existem, portanto três tempos presentes, o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro. Esses três tempos encontram-se em nossa alma.
 O mal em Agostinho é o amor por si mesmo e o bem é o amor por Deus. Os homens que vivem para amar Deus formam a Cidade de Deus e os homens que vivem para amar a si mesmo formam a Cidade dos Homens. Na cidade de Deus vive-se segundo as regras do espírito e na cidade dos homens vive-se segundo as regras da carne. As duas cidades vivem mescladas uma com a outra desde que iniciou a história da humanidade e assim ficarão até o fim dos tempos. Cada ser humano tem que se questionar para saber a qual das duas ele faz parte.
Deus não criou o mal. Agostinho acreditava que um ser em que só pode residir o bem não pode ser o criador do mal. Tudo que existe é bom e o mal é a ausência desse bem, é a ausência de Deus. Deus nos concedeu o Livre-Arbítrio, que é a nossa capacidade de decidir conforme nosso entendimento, e é dele que vem o mal. Deus nos criou independentes para que pudéssemos decidir por nossa vontade e através de nossa liberdade escolher o bem e não o mal. Quando o homem escolhe o mal ele se afasta de Deus.
Renuncia ao racionalismo (noção de espirito, inicio pela fé), ao materialismo (luz espiritual, diversidade entre o ser absoluto e o ser participado, mal como privação do bem e o mal como tal, não existe e não se origina de Deus), ao ceticismo (evidencia imediata dos fatos, a evidencia do cogito, as verdades logicas  e a evolução do ceticismo).




1.2.         Influências
a)    S. Monica: mãe,  empenhou-se pela sua conversão;
b)   Cicero: despertou o seu interesse pela filosofia e pela retorica;
c)    Maniqueísmo: o bispo Fausto e a sua doutrina maniqueísta.
d)   Plotino: neoplatonismo per superar as incoerências maniqueístas;
e)    S. Ambrósio: ver a inteligibilidade das Sagradas Escrituras.


1.3.         PRINCIPAIS OBRAS
a)    As confissões: relato de sua vida e conversão; contem um hino de louvor a Deus, conhecimento profundo das próprias fraquezas humanas e exaltação da bondade e da providencia divinas.
b)   A Trindade: obra prima filo-teológica;  em 15 livros sobre a doutrina da Trindade e baseando nas Escrituras busca explanar e resolver as dificuldades sobre a doutrina trinitária.
c)    A cidade de Deus: visão teológica da história; apologia do cristianismo contra as acusações dos gentios que os cristãos teriam destruído Roma.
d)   De libero arbítrio: versa sobre a origem do mal, a liberdade e a razão porque Deus nos dotou de uma vontade livre, embora previsse o mau uso que dela faríamos.


1.4.         PRINCIPAIS concepções
a)    Filosofia cristã: fé como “cogitare cum assensione”, forma de conhecimento cuja relação com a razão não é excludente, mas complementar: “credo ut intelligam et intelligo ut credam”.
b)   Pessoa: homem imagem da SS. Trindade. O problema não é o cosmos, mas o homem, considerado individualmente: o EU cuja vontade se confronta ou se conforma com a vontade de Deus. A natureza do homem (espiritualidade, imortalidade). O retorno das criaturas para Deus (a alma como imagem de Deus: mente, conhecimento, amor; do exterior para o interior e dai para além do espirito.
c)    Verdade: teoria da iluminação: as coisas corpóreas são mutáveis e corruptíveis, os conceitos que delas formamos pela razão são necessários, imutáveis e eternos. De onde a alma retira esse critério de conhecimento? De uma lei que é verdade, que está acima de nossa mente. O intelecto é constituído das ideias, que são transmitidas à mente por Deus. Conhecimento sensível, a alma produz a sensação, a interioridade do pensamento, o mestre interior. A reminiscência, a inquietação da alma em busca de Deus, a razão superior e a razão inferior, a sabedoria cristã.
d)   Deus: é todo o positivo que se encontra na criação, sem os limites que nela existem: a perfeição do mundo exige um artífice, universalidade do fenômeno religioso e vazio interior do homem, que somente pode ser preenchido plenamente por Deus. Existência de Deus (a boa fé, a fé, conhecimento sensível e intelectivo).
e)    Criação: a teoria das ideias de Platão é incorporada como os pensamentos de Deus, que inclui tudo o que se pode criar, que não se tira de sua substancia, mas do nada. Deus criou virtualmente todas as possibilidades de concretizações dos seres, que se vão desdobrando com o passar do tempo. A criação do nada,  a causa do ato criativo de Deus: a sua vontade.
f)     Tempo: criado juntamente com o mundo, como medida do movimento. Existe apenas no espírito humano, como memória do passado, intuição do presente e espera do futuro. Algo enigmático,
g)    Mal: não é ser, mas deficiência e privação do ser: ontológico (não existe mal, mas apenas graus inferiores de ser em relação a Deus); moral (é o pecado como aversão a Deus pela conversão às criaturas); físico (doenças e sofrimentos – consequências do pecado original).
h)   Liberdade: poder de usar bem o livre-arbítrio. É própria da vontade e não da razão. Somente com a ajuda da graça divina é possível fazer sempre o bem. Liberdade é a boa vontade, o “uti” e o “frui”,  a perfeição do amor na liberdade.
i)     História: desenvolvimento da “Cidade de Deus” no meio da “cidade terrena”. Dois amores, de Deus e próprio, construíram as duas cidades. O homem bom não é o sábio, mas o que ama a Deus, o verdadeiro amor coincide com fazer a vontade de Deus. O amor como fundamento da comunidade social, a paz como objetivo, a ordem; o convívio dos dois estados.

1.5.         Apreciação
busca teológica antes que filosófica;
Combate teológico contra os maniqueístas, os donatistas e os pelagianistas.
União entre vida e doutrina.
influência sobre a construção do estado social no ocidente.

1.6.         Questões
a)    Qual a crítica de Agostinho aos sistemas dos donatistas e pelagianistas?
b)   Por que para Agostinho filosofia, sabedoria e felicidade coincidem?
c)   Qual a diferença entre “verdadeira filosofia” e “verdadeira religião” em Agostinho?
d)   Qual a relação entre pecado original e graça em Agostinho?
e)   Como acontece o movimento sobre o qual  a alma, superando as sensações, chega ao divino?
f)    Que nexo existe entre a alma e o tempo segundo Agostinho?
g)   Como Agostinho descreve a presença do mal no mundo?
1.7.         TEXTOS:

a)    Bem e Corrupção
Vi claramente que todas as coisas que se corrompem são boas: não se poderiam corromper se fossem sumamente boas, nem se poderiam corromper se não fossem boas. Com efeito, se fossem absolutamente boas, seriam incorruptíveis, e se não tivessem nenhum bem, nada haveria nelas que se corrompesse. De facto, a corrupção é nociva, e se não diminuísse o bem, não seria nociva. Portanto, ou a corrupção nada prejudica - o que não é aceitável - ou todas as coisas que se corrompem são privadas de algum bem. Isto não admite dúvida. Se, porém, fossem privadas de todo o bem, deixariam inteiramente de existir. Se existissem e já não pudessem ser alteradas, seriam melhores porque permaneciam incorruptíveis. Que maior monstruosidade do que afirmar que as coisas se tornariam melhores com perder todo o bem?
Por isso, se são privadas de todo o bem, deixarão totalmente de existir. Logo, enquanto existem são boas. Assim sendo, todas as coisas que existem são boas e aquele mal que eu procurava não é uma substância, pois se fosse substância seria um bem. Na verdade, ou seria substância incorruptível, e então era certamente um grande bem, ou seria substância corruptível, e nesse caso, se não fosse boa, não se poderia corromper (Santo Agostinho, in 'Confissões').

b) "Tarde Vos amei,
ó Beleza tão antiga e tão nova,
tarde Vos amei!
Eis que habitáveis dentro de mim,
e eu, lá fora, a procurar-Vos!
Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes.
Estáveis comigo e eu não estava Convosco!
Retinha-me longe de Vós
aquilo que não existiria,
se não existisse em Vós.
Porém, chamastes-me,
com uma voz tão forte,
que rompestes a minha Surdez!
Brilhastes, cintilastes,
e logo afugentastes a minha cegueira!
Exalastes Perfume:
respirei-o, a plenos pulmões, suspirando por Vós.
Saboreei-Vos
e, agora, tenho fome e sede de Vós.
Tocastes-me
e ardi, no desejo da Vossa Paz"
Santo Agostinho





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