Casual
Da improbabilidade
do circunstancial a flecha da casualidade acaba por abrir uma inexplicável brecha.
Nas curvas dos devaneios um estopim tende a se alastrar. Uma ferida que
carcomia a inoxidável virtuosidade. Sem direitos e sem defesas, afinal quando
a vida parece insuportável e nada parece ter sentido, a dor é um
passatempo e “a morte é
apenas o princípio.” (do
Filme a Múmia). Nada de fatalismo, é que o realismo faz viver sem muitas
ilusões e aceitar mais serenamente os percalços que por ventura se encontre,
mesmo porque “A melhor maneira de
realizar os seus sonhos é acordar.” (Paul Valéry). Sem derrotismo, mas também sem enganos, dado que
cada um é o que se é e não o que se quer ser. Portanto, “não é preciso ter olhos abertos para ver o sol, nem é preciso ter ouvidos
afiados para ouvir o trovão. Para ser vitorioso você precisa ver o que não está
visível.” (Sun Tzu).
Talvez esse seja o segredo da felicidade, aproveitar o máximo o pouco que se
tem. Essa vida é mesmo rude e as
lamentações são desmesuradas, talvez seria vida abestada como afirmara alguém. A
caminhada parece um pontapé no nada, em direção ao ermo, ao completo vazio. Esse
desacato da existência é um contrassenso da mesma vontade que quer permanecer,
mas tem medo de onde não pode chegar. Esses
passos indecisos, essas emoções trêmulas, essas lágrimas tênues, esses insanos
desejos, essa musicalidade temerária e esse clima espectral, tudo ambiciona a
hastear a bandeira da incredulidade e da desconfiança. Não existe plano, não
passa do resultado de um caprichoso desencontro de historias e de nexos desconexos.
E as coincidências? São providenciais? Tudo predestinado? Quantas ironias
nessas desventuras. Não me iludo muito mais, posso não conquistar muito, mas também
me desiludo pouco. Como estilo e como pensamento, a minha escolha recai no
casual.
Jorge Ribeiro