“O pior cego é aquele que não quer
ver”[a]
A alienação e a omissão
são presentes demais nas nossas vidas. Muitas vezes somente enxergamos o que
nos interessa e o que queremos. Daí vem a pergunta: Pode existir a negação do
querer ver? Podemos prosseguir ainda nos perguntando: Alguém pode querer negar
o óbvio ou a verdade? Essa atitude pode ser por conveniência, por comodismo ou
mesmo por indiferença. Então: Que tipo de cegueira nos impedem de ver a
realidade assim como ela é?
Damo-nos conta das
diversas cegueiras existentes, assim como mudez também: desde aquela cegueira
física, a normal que alguém perdeu a visão, mas também existem a cegueira -
mudez mental, a afetiva, a relacional, a psicológica, a intelectual, a social...,
e outras que se pode classificar. Em comum a falta de clareza na percepção da
realidade e o silêncio perante situações que se pode interferir.
A partir de uma leitura
do Evangelho (Mc 7, 31-37), que Jesus cura uma pessoa da sua surdez e mudez,
restituindo-a no mudo das relações e entendimentos, a partir da compreensão das
vivências, para que volte à comunicação e, portanto, ao encontro com o outro,
perguntamo-nos: Que mudez / surdez queremos nos libertar para poder exercer a nossa
autonomia como discípulos de Jesus Cristo?
Cabe ainda uma reflexão
em primeira pessoa que cada qual pode se fazer: A minha surdez me impede de ir
ao encontro das outras pessoas? Tenho medo de me expor e de ser
mal-compreendido? Ou será que me sinto dono da verdade e busco resolver tudo
sozinho e não me coloco em disponibilidade ao próximo? Existe uma surdez real,
mas também aqueles que não querem ouvir.
Ser surdo é não perceber
completamente o que acontece ao derredor. A surdez gera vazio, esterilidade,
tristeza, egoísmo, fechamento e impede de amar com autenticidade. Aqui um outro
questionamento: como anda a minha comunicação com Deus e com as pessoas? A
surdez que impero em relação ao outro e suas necessidades também me impede de ouvir
e compreender a Palavra de Deus!
A palavra precisa do silêncio
para realizar a sua função, senão ela se confunde com os outros ruídos. É
preciso desbloquear o que impossibilita o contato com a Palavra: os medos, os
preconceitos, os absolutismos, as intolerâncias, as exclusões, as
autossuficiências, as arrogâncias, quer dizer, tudo que causa interferência no
encontro sincero com a outra pessoa.
Em Jesus e desde sempre Deus
está aberto a nos acolher e se coloca em comunicação com à Humanidade! Ele nos
fala pela Palavra, pelos Sacramentos, pela criação… , mas é preciso destapar o
ouvido e a mente para escutar sua voz. Faz-se necessário a abertura verso o
outro. Sair da própria ilha. E o Evangelho citado Jesus clama ao surdo / mudo: Abre-te:
assim ele o cura do egoísmo e do mutismo do fechamento. Finalizo voltando à
analogia do quer ver, agora citando Saramago no seu Ensaio sobre a cegueira,
que parece inferir essa verdade: o pior cego é o que não quer ver, quando ele
diz: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.
[a] Segundo
os arquivos históricos: Em
1647, em Nimes, na França, na universidade local, o doutor Vicent de Paul
D'Argenrt fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel. Foi
um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que passou a
enxergar ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o mundo que ele
imagina era muito melhor. Pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos. O caso
foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou
para a história como o cego que não quis ver.