Por que o homem é um ser de contradição? ou melhor, de contradições?
"Errarre humanum est" (Errar é humano) é um provérbio latino tão antigo que sua origem já é desconhecida; contudo, o seu conteúdo parece cada vez mais atual. Estamos já acostumados, a conviver com os erros humanos ou, em outras palavras, com as contradições dos seres humanos. Os filósofos, desde tempos imemoriais, bem como todas as religiões do mundo, falam da fraternidade e da paz; no entanto, alem das absurdas guerras entre grupos religiosos fanáticos, corre-se o risco de uma guerra atômica que exterminaria a raça humana. Avalia-se em um milhão de dólares por minuto o gasto na produção de novas armas nesse planeta, sem levar-se em consideração o custo de manutenção dos exércitos, as fortunas que nutrem o tráfico de entorpecentes e outras formas de degradação. Enquanto isso, diariamente, morrem quarenta mil crianças de problemas derivados da subnutrição no mundo em desenvolvimento; sem falar nas mortes não menos estúpidas dos suicidas dos países desenvolvidos ou das decorrentes de guerras e atos terroristas que pretendem buscar a paz e o bem estar da Humanidade através de qualquer meio. Por que falamos tanto em amor e paz e vivemos nesta violência impressionante?
Quanto mais conhecimento e poder dermos ao homem, tanto pior será, não porque o conhecimento e o poder sejam deletérios em si, mas porque o homem, estando perturbado, em contradição devido à falta de autoconhecimento, não pode ter autodomínio. E não é um tanto quanto temerário dar-se poder a quem não possui autodomínio? Nossa civilização tem subestimado o autoconhecimento, considerando-o coisa de pouco valor prático, e os resultados são bem visíveis e práticos: estamos à mercê dos caprichos e infantilidades de seres humanos contraditórios e imaturos.
É comum ver-se o ser humano fugir das questões que exigem profunda atenção, porque é mais fácil receber ensinamentos prontos e repeti-los como até um papagaio pode fazer; mas o autoconhecimento não pode ser fornecido por terceiros: ele só pode ser fruto de nossa própria investigação. Porem, pode ser de alguma utilidade fazer algumas considerações introdutórias sobre o tema, mas que, evidentemente, não podem jamais substituir a auto-investigação.
Pode-se observar que a pessoa humana é constituída de diversas "vontades" que, não raramente, se contradizem, por exemplo, quando estamos assistindo a uma filme ou a uma novela na televisão que nos empolga, gerando emoções que sentimos vivamente, pode surgir um conflito entre a vontade da sensação, que quer continuar assistindo ao filme, e um eventual apelo do corpo por descanso, que se manifesta por meio de uma crescente sensação de "peso" nas pálpebras. A fome, a sede etc. Podem gerar conflitos similares. Isso demonstra de maneira bastante prática que a vontade do corpo e a da sensação nem sempre coincidem, e não é raro observar as pessoas levarem seu corpo a excessos, devido a sua paixão momentânea despertada por alguma sensação.
Quando atribuímos a algo um valor maior que o real, nós nos frustramos, desiludimo-nos cedo ou tarde, pois, alcançando esse ser ou objeto, terminamos por descobrir que seu verdadeiro valor era menor do que pensávamos. Essa desilusão será inevitável, uma vez que ele não poderá responder ao nosso apelo, segundo nossa expectativa, porque ela ultrapassa as suas possibilidades reais de resposta. Entretanto, poderemos perder muito tempo até alcançar o valor de nossa ilusão. Então, começaremos a buscar outro alvo, pois aquele nos desiludiu. Por outro lado, podemos nos sentir inexplicavelmente vazios sem saber por que, quando, na verdade, aquilo que poderia nos preencher está muito próximo, mas nós o subestimamos, dando-lhe valor inferior ao que realmente tem. Por isso nem sequer percebemos que longe procuramos o que perto está.
Por que essa dor intransponível que não permite o homem ser feliz e essa contradição entre ser e não-ser, entre querer e desistir? Por que não nos concentramos naquilo que somos e fazemos e não nos contentamos em com as possibilidades reais que estão ao nosso alcance?
A busca da felicidade e da realização de si, passa por etapas, por devaneios, decepções e frustrações, mas é a esperança de alcançar o que se almeja ou de ser aquilo que se pretende ser empurra o homem a não desistir, a não desanimar, a encontrar forças para continuar a própria estrada, mesmo cansado, abatido e sangrando. A contradição do homem é o reflexo de sua natureza reticente e do seu dinamismo que busca sempre mais as razões de estar no mundo e da sua missão neste mesmo horizonte.