Esquecimento do esquecimento

Esquecimento do esquecimento





Por Pe. Jorge Ribeiro


Pensar é sofrer:
Passando pelo meio-dia da aurora ou do crepúsculo de Nietzsche para se negar ou refutar a noite escura ou indecifrável de Hegel e Schelling, o pensamento pós-guerra quer confutar os pilares da filosofia ocidental, de modo específico aquela de cunho platônico-aristotélico e suas ramificações, como uma navalha que separa o antes e o depois, inferido uma nova dimensão, a referência à navalha de Ockham não é por acaso, onde se nasce uma maneira nova de construir as conclusões intelectivas. Pensar é como um parto, dói, não é uma construção de simples dados dedutivos ou conclusões lógicas de índole formal. Pensar é parir ideias novas, em desavença ou até contrária ao estabelecido, mesmo porque a verdade não é uma propriedade, mas uma conquista. 
A vida é sempre algo se descobrir, não tem nada garantido ou fixo, por isso causa incertezas e sofrimentos. Seguindo essa lógica se poderia dizer que a vontade de viver é fonte de sofrimento, pois viver é sofrer, diz Schopenhauer, de modo quem quer evitar sofrimento acaba por encontrar a morte. Mas o sofrimento sugere muito mais necessidade de transformação que simplesmente acolher dores. Pensar é enfrentar a realidade e essa carrega consigo certa dose de sofrimento. Fugir do sofrimento é esquecer de pensar, é esquecer de ser gente, é negar a própria índole. Prefere-se passar a vida em brancas nuvens, embriagados pelas ilusões e promessas fáceis, por isso tanta “tarja preta” e tantas promessas de curas rápidas e milagrosas.
                       
Quem disse que pensar é igual a ser?
Quando Parménides estabeleceu que o ser e o não-ser não é, parecia que toda contradição ou negação teria finalizado, mas como explicar os dispares da existência e a presença dos múltiplos além da hegemonia do UNO? Agora se introduziu outro arquétipo, ser é igual a pensar, o pensamento é variável, complexo, diversificado, ainda que entro de um mesmo ser. Pensar é, de algum modo existir. O que não é pensado não existe? Somente o racional é real, ao modo hegeliano ou não existe para quem não pensa?           A aporia do ser enquanto ser causa estranheza e reticências, dado que o princípio de não-contradição é válido e perene somente se é aceitável uma filosofia na qual o sujeito e o objeto são dependentes de uma causa necessária, sem a qual nada do que existe poderia existir.
Pensar o pensar, como afirma Hegel, é reconhecer a identidade entre ser e pensar, dado que o pensamento é o primeiro ato do existir. Mas pensar não implica pensar alguma coisa? Pensar assim é despertar a consciência para que se reconheça como tal. Desse modo, essência e existência se coincidem, mas sujeito e objeto se identificam ou são realidades diversas, ainda que complementares? Pensar e ser são a base de uma relação, às vezes conflituosa, pois a independência de cada um é real. O ser é percebido pelo pensamento, como preconizara Parmênides, mas não lhe oferece existência. O pensar reconhece, qualifica e conceitua o ser, mas sua consistência é independente do pensar. O pensar atualiza o objeto ao sujeito e faz entrar na sua mente ou consciência, mas sua existência é independente, dado que pensar é pensar sobre algo ou alguém.

A pessoa é, de algum modo, tudo o que ela conhece?
No seu De anima Aristóteles afirma a universalidade da alma humana, que com a ânsia de pensar e conhecer, seria de algum modo as coisas que conhecesse. Comentando esse opúsculo, Tomas de Aquino afirma de modo majestoso, que a alma humana, de algum modo, é pressente em tudo que conhece. Por um lado afirmando a subjetividade humana que pelo uso da consciência opera um certo domínio sobre as outras realidades, mas também deixa aberto um campo no qual a consciência aparece como terreno baldio onde existir vai além de estar-no-mundo, mas dar-se conta da própria condição nesse mundo. Não basta conhecer, faz necessário se apropriar do que se conhece, assimilando e assumindo como próprio.
Fazer perguntas inteligentes é mais importante que as respostas, o interessante está na capacidade de formular a pergunta. A resposta é já imbuída na pergunta e uma resposta que pretende ser inteligente não fecha a questão, mas possibilita outras questões. Sabe-se que responder o que não se perguntou é ridículo, como ironiza Aristóteles, mas a pessoa deseja naturalmente por querer conhecer mais e isso acontece pela dúvida, pela pergunta. Quando se conhece algo ou alguém, na mentalidade clássica, significa se apropriar, de algum modo, do conhecido. Conhecedor e conhecido se tornam parte um do outro, um imprime no outro a sua presença, isto é, sujeito e objeto se compenetram por meio do conhecimento. Pois conhecer é exercer uma fascinação e um domínio sobre o outro. O olhar do conhecedor ou do conhecido impõe limites e determinações. Conhecer significa também uma certo estranhar, pois cada qual reserva e conserva sua identidade, a sua parte incomunicável.

Entre a meia-noite e o meio-dia? O estado primaveril?
A educação tradicional e bancária e outros ídolos precisam ser abatidos, especialmente a ideologia absolutista que trafega na noite escura, é preciso desnudar a realidade e tomar consciência da fragmentação que está envolvendo tudo, inclusive o pensamento. Sair da confusão da meia-noite que permite apenas tatear e andar erguidamente no clarão do meio-dia, eis a morte de todos os ídolos e de toda enganação, enfatiza Nietzsche no seu Crepúsculo dos ídolos. A era primaveril é a época do senso crítico, da autoconsciência e não mais da submissão ou do formalismo descaracterizado do pensamento tradicional. O cidadão do dia é responsável por si e por seus atos, não se deixa ludibriar pelo convencionalismo dos sistemas. Faz-se necessário abater toda ideologia e todo estrutura imposta e criada sem a coparticipação do próprio sujeito.

A vida é um espetáculo, uma ilusão, uma aventura?
Pensar é criar e nem sempre o pensado é real. Pensar é mentir? Criar uma máscara onde não se pode alcançar o “em si” da coisa? Seria construir uma ilusão para poder enfrentar a crueldade das coisas como realmente são? Se viver é pensar a vida, como essa vida se desdobra entre ilusões e aventuras? Não se passaria da criação de quem está vivendo? A vida então é uma mentira que se constrói para fugir da sua tragicidade. Se assim fora, qual lugar do protagonismo da liberdade, da inteligência, da consciência e da vontade? Por um lado as justificações escondem as páginas autênticas e revelam aquelas que se convém, mas o abismo das afirmações quer delimitar a verdade. Mas a verdade é ser. De qual modo? Nem sempre ser é existir. O existir também pode ser uma ilusão coletiva, um convencionalismo grupal e tendencioso que busca convencer outros que essa a forma autêntica de ser. Mais que ilusão e aventura, a vida é um espetáculo, cada qual desempenha um papel, às vezes trágico, às vezes cômicos e em outras tantas vezes apenas de figurantes, porém o espetáculo deve ser vivido, não pode está-aí esperando o desenrolar da história sem tomar parte. Desempenhar o papel de modo magistral, ainda que seja mentira, esse é o segredo e o sabor da vida. O viver cada instante como protagonista do espetáculo.

Percepções e perspectivas:
“Todo ponto de vista é a vista de um ponto”, alguém afirmara assim, isso é válido numa dimensão de perspectivismo, mas sem cair no relativismo que todos os pontos sejam iguais. Podem ter o mesmo valor, mas são realidades diferentes, ao menos na percepção de quem está defronte ou do referencial que se analisa. Porém, a pergunta é: somente o sujeito que observa tem uma perspectiva? Essa visão seria suficiente para abarcar todas as nuanças do que se percebe? Cada sujeito teria uma representação da realidade. É verdadeira sua percepção, sim. Mas não é a única também e não significa que seja absolutamente a mais correta, dado que enganos e entraves podem interferir entre o sujeito e a realidade percebida. Assim, o sujeito não deve se contentar com uma perspectiva, mas deve buscar as mais variadas interpolações e interpretações  (José Ortega y Gasset), para poder usufruir de uma visão total da realidade e ter versões além da pura intuição ou visão individual.

Esquecimento do esquecimento:
Desde a nulificação operada por Nietzsche e a consequente morte do homem, atravessa-se o vazio que o nada de Sartre nauseou o pensamento, sobretudo a metafísica, mas tudo se consolida no óblio do ser de Heidegger e o esquecimento como tal e Badiou. Por certo, o pensamento existencialista, diga-se o de matriz ateísta, consolidou-se com o pessimismo diante do futuro e tudo que esse pudesse regar de esperança. O esquecimento aparece não somente como condição existencial, mas como metodologia e instrumento para se construir um pensamento antissistemático e inovador em relação à filosofia tradicional. É uma crítica e um posicionamento sobre o valor da filosofia, leia-se aquela ocidental configurada na metafísica de Platão e Aristóteles. De um lado a acusação que o pensamento ocidental esqueceu o ser e se debruçou nos entes e deu a esses um estatuto cheio de robustez e de autonomia e do outro a tentativa de ignorar ou desprestigiar a construção anterior. O pensamento atual somente é possível a causa das bases ou das indicações já instauradas, inclusive dos erros. A consciência crítica acontece a partir de um paradigma que é firmado e a desconstrução de algo já edificado. Começar uma história nova, virar a página certamente, mas lembrando do fio condutor até então. A pretensão de um pensamento do zero, todo original, impecavelmente correto, é ingenuidade e absurdo, pois onde tem gente tem vacilos e distorções. O esquecimento do esquecimento é a tentativa de expandir um pensamento sem os prejuízos e preconceitos das limitações anteriores, mas sem ignorar as suas conquistas e possibilidades. Não se pode erigir um edifício somente a base do que não deu certo, faz-se necessário um plano de renovação. Esquecer o que se esqueceu e se colocar em movimento, numa amálgama e interação e não de exclusão.

                                                                                                             

Celebrar a vida

Celebrar a vida





Por Pe. Jorge Ribeiro



A vida é uma dádiva, um dom a ser acolhido e fazer frutificar. Cabe a cada qual deixar florescer e saborear cada acontecimento que ela faz experimentar. A que serve murmurar e lastimar sobre as eventualidades que se possa aparecer ao longo do percurso? Os percalços estão por toda parte, assim como as pedras, ou se deixa no caminho para tropeçar ou recolhe e se pode construir um abrigo. A consciência e o propósito de cada pessoa é que decide que papel vai desempenhar na história que se tem. Na real, a vida é um grande teatro. Não é uma afirmação gratuita ou clichê de caminhão. Ela se apresenta assim mesmo. Descontínua, cheia de surpresas e surpreendentemente diversa. A vida é pra ser vivida, mas cada etapa e cada momento diversamente. Tudo o que a vida rejeita é essa mania de estabilidade e monotonia. A vida é movimento. Como areia movediça ela se modifica a cada instante e pede que se tenha a tranquilidade de acompanhar as suas peripécias. O que é fixo e estável na vida? O que se pode chamar de próprio no existir? Tudo é transeunte e caduco, passageiro e fugaz, mas nem por isso é menos belo ou digno. O valor, a majestade e a divindade da vida está justamente nessa incerteza que ela se apresenta. Na vida tudo que se pretende fixo acaba por criar ferrugem ou morrer. É o dinamismo da própria existência. Estar em perene transformação. A experiência remete muitos exemplos em que a vida provoca uma guinada inesperada e é feliz quem sabe acompanhar os seus arroubos. Quem se obstina a fugir desse anelo de novidade acaba por se tornar obsoleto ou fora do contexto. Os pensamentos são outros, as metodologias e os costumes também, para que se amarrar em modelos, ainda que deram certo? Os sistemas valem para determinado período e lugar, não se aplica indistintamente, assim como não se deve ministrar o mesmo medicamento apenas por sintomas semelhantes. Passa-se o tempo entre compromissos e submissões e se perde a chance de contemplar as possibilidades que correm entre as mãos. Comemorar a vida é se dar conta que ela está ao próprio dispor, à mercê das escolhas, mas que ela é fugidia, não oferece garantia que apenas se tem a oportunidade de cuidar, não pertence a ninguém. Basta um nada e aqui está ela brotando e surtando esperança e basta um outro nada e se esvai sem pedir licença. Loucura da vida? Não. É seu dinamismo que exige vigilância e capacidade de se deixar surpreender por sua espontaneidade. Viva a vida!

Pra se pensar ....

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Desespero anunciado Para que essa agonia exorbitante? Parece que tudo vai se esvair O que se deve fazer? Viver recluso na pr...