Medo do outro
Por Jorge Ribeiro
Tudo
que vive tem medo. Por que sentimos medo? A origem do medo está no desejo de
ser absoluto? O medo é sentimento ou
distanciamento dele? O que é o medo? A desconfiança de não estar sozinho? Ou o
medo seria o receio de estar abandonado? A sensação do medo é a de ser vigiado
ou a de ser dominado? No medo eu me sinto espiado ou eu me coloco como espião?
E esse
suposto outro é meu inimigo ou pode ser um aliado? Esse outro, diverso de mim,
que me mete medo, está fora de mim ou interno a mim mesmo? Depois da leitura do
Des Cannibales (Michel de Montaigne),
despertou-me essa reflexão de que chamamos de bárbaros e temos medo do que não
temos domínio. Talvez por isso queremos exorcizar, extirpar o que não é nosso
ou não são dos nossos. O diferente coloca outra possibilidade. O meu modo de
ver e de ser não é o único e muito menos o melhor.
Então
esse medo da alteridade seria porque nos sentimos ameaçados? Parece ser o que
insinua Tzvetan Todorov no seu La peur
des barbares, o que significa que o medo do outro se traduz bastante com o
medo da inclusão ou da alteração. E isso acontece por risco de se perder? O
medo do selvagem (Rousseau) é o medo que vai além do confronto da civilização e
dos costumes, é a desconfiança da própria dissolução no que não me pertence ou
não está sob meu domínio.
Certamente
no encontro e no contato consigo mesmo e com os outros ha perigos de sujeição e
de submissão, ali onde a barreira entre o que se é e se quer e tudo que uma
civilização ou estereótipos culturais e religiosos nos impõem não faz muita
diferenciação, pois o dado e o conquistado (Deleuze e Guattari) se confundem
num amálgama que parece definir a própria identidade.
O
diferente, muitas vezes é visto como o bárbaro, pois o desconhecido provoca
insegurança e incertezas, e quem vive tem medo, mesmo porque a imaginação gera
o medo. Não se pode viver numa continuada situação de perplexidade, faz-se
necessário o aprender a ter medo, já que ele é constitutivo não somente dos
humanos, mas de tudo que humanizamos (Eduardo Viveiros). É insustentável se
viver num perpétuo pânico, pois a fábrica do medo pode não somente paralisar,
como um caçador diante dum tigre, mas constrói uma civilização de perversidade
que se deve destruir tudo que provoca ameaça e medo.
Essa
cultura do medo gera o medo do medo (Montaigne), onde se arrasta ao invés de se
caminhar, na qual se consolida a identidade de risco para justificar essa
privatização do comum. Todos temos medo de alguma coisa e devemos estar com o
outro e com outros, ainda que com o medo Face
to face with fear (Krishnananda Amana) e isso é um dado. O que se passa é
que o medo entrou em cena como instrumento de controle e essa possessão se
transforma em incertezas, assim como o futuro e tudo que ainda não é. Superar
esse abismo do medo? Talvez na analogia do devir-outro, reconhecendo que o meu
Eu que é outro.
O medo
do outro é medo de mim mesmo, pois toda coisa é humana, porque eu as faço
assim, já que me torno o que possuo. O que dá a minha identidade? Os meus medos.
Tem-se de adestrar o inimigo interno, para se tornar “eu mesmo” ou se enfeitar para fugir do medo de si? Seria
o medo de ser visto como se é? O maior inimigo é o próprio “ensimesmo”, porque
eu sou eu mesmo com os outros, no encontro / confronto do tu com outro tu que
se reconhece como tal, ou seja, o medo está no desconhecimento provocado pela indiferenciação
de um tu com outro tu: De l’un et de l’autre
(De Finance).
Quem é
o outro de mim? No perspectivismo soaria que cada um é cada qual. Isso quer dizer
que o medo do outro é uma questão de perspectivas? Certamente cada um vê de
modo particular e diferente, ainda que dentro da mesma espécie (Clastres,
Montaigne, Da Mata, Freyre, Deleuze, Viveiros), mas o ponto de vista de cada um
é que provoca esse extasiar-se diante da alteridade? Se quem vê tem medo (parafraseando
Viveiros), concluo dizendo que, o que vive tem medo, quem não tem medo é um
fantasma. Poxa! Sem medo não ha vida. Seguimos
errantes, com medo, mas querendo sobreviver nessa insana verdade.