Então é NATAL!

Então é NATAL!



A promessa de dias melhores, o tempo messiânico se aproxima, onde justiça e paz se abraçarão, amor e verdade se encontrarão. Tempo de esperança, de alegria e de comunhão. Mas tudo isso vem no acolhimento de uma Criança. Deus se faz menino e joga com os sentimentos mais profundos e primordiais de cada pessoa humana. O ser cristão é viver o encontro com um acontecimento, com uma pessoa que dá à vida um novo horizonte, um rumo decisivo, Jesus Cristo, o Menino Deus que nasce para nós.
Então é Natal, onde se renovam as esperanças, os desejos e as alegrias. É a celebração da Encarnação do Filho de Deus na história e na humanidade, assumindo a condição humana, por puro amor e assim restaurar, reanimar e libertar a criação do peso do pecado. Essa Criança, frágil e dócil é o misericordioso abraço de Deus a cada um de nós. Olhando esse Menino, na manjedoura e nos acolhimento carinhoso dos seus pais, reconhecemo-nos a nós mesmos, uma nada que se torna gente pelo sim de Deus a cada um de nós.
O sim de Maria permite essa entrada de Deus no mundo, não apenas como seu Criador, mas como parte dessa mesma realidade. O nosso sim permite a comunhão com Deus e com sua promessa de salvação. O Sim de Deus nos oferece a esperança e a garantia de uma real libertação. Não podemos deixar que o consumismo do tempo presente devore a extraordinária notícia do Nascimento de Jesus. Esse encontro entre o divino e o humano é o pilar da nossa fé encarnada e a luz que nos direciona para o Reino. A cada palavra e a cada gesto nosso deve ser presente essa realidade mística e factual do Verbo de Deus em nós e entre nós.
O Natal é também o tempo oportuno de irmos ao encontro dos rostos desfigurados desse Jesus que sofre e geme na humanidade ferida por tantas maldades e descaso. As mãos estendidas a quem mais necessita é a tradução daqueles braços abertos que na Cruz resgata e salva a cada pessoa. A solidariedade a quem está excluído é o sorriso inocente do Menino Jesus que acolhe em sua manjedoura todos os filhos de Deus, dispersos ou não, para que juntos possamos experimentar a alegria de estarmos na Casa do Pai.
Então é Natal: mais perdão e menos violência; então é Natal: mais caridade e menos segregação. Então é Natal: mais esperança e menos mortes; então é Natal: mais reconciliação e mais vida!


Montaigne: a reflexão sobre o homem como dialética em ação


A reflexão sobre o homem: uma dialética em ação



«Je me contente de jouir le monde sans m’em empresser, de vivre une vie seulement excusable, et qui seulement ne poise ny à moy, ny à autruy»[1]. Dessa maneira constatamos que para Montaigne o homem é por natureza uma extraordinária combinação de querer e agir, de ação numa dialética de seu mundo interior com aquele exterior. Essa consciência de si em Montaigne é diálogo consigo mesmo. Um diálogo intenso e dinâmico, capaz de levar o indivíduo a sair de suas próprias estruturas para interferir ou conduzir o mundo fora de si. Em Montaigne, o que passa do seu mundo interior, o que ele desenha em seus Ensaios e Journal e o que ele busca vivenciar na sua cotidianidade são inseparáveis. Esse amalgama de «vivências» faz de Montaigne, no seu estilo único, o precursor não somente da literatura francesa moderna[2], mas também da reflexão antropológica moderna, antecipando assim o carro-chefe de todo pensamento posterior.
As idéias claras e o pensamento vivaz encontram em Montaigne uma espontaneidade que se deságua em opiniões, em sentimentos e em atos injustificáveis, mas que são manifestações evidentes do sujeito humano. Dessa forma «a reflexão sobre o homem, quer dizer de si mesmo, é uma interrogação endereçada ao seu próprio eu»[3], mas que espelha o existente em todos os homens. É esta de Montaigne uma «investigação sem a qual a pureza da razão seria ilusória e impura»[4]. A investigação de si leva à ação exterior, pois para ele ser consciente significa entre outras coisas, está alhures, uma existência que não seja «uma carga nem para mim e nem para os outros»[5], faz assim perceber na sua explicação do homem uma dose de hedonismo, porém sem cair numa desenfreado busca de satisfação ou vida descompromissada.
Para Montaigne a «vida é delicada e facilmente se turva»[6], que muitos percebem aí a ambigüidade da natureza humana e o fluxo da reflexão montaigneana sobre a fragilidade como essência do próprio ser do homem e, ao mesmo tempo, como força dialética que leva esse homem a ser o que deve ser. A consciência da própria fragilidade e limite leva o sujeito a ser presente a si mesmo.



[1] De la Vanité, Essais III,9. Oeuvres Complètes, 930.
[2] Petrônio R., Montaigne: o teatro do mundo. Revista de cultura n. 21\22.  Fortaleza – São Paulo, fevereiro \ março 2002.
[3] Theobaldo M. C., Sobre o «Da Educação das crianças»: a nova maneira de Montaigne. Tese de doutoramento.  USP, São Paulo 2008, 58.
[4] Merleau-Ponty M., «Lecture de Montaigne». In «Préface, Montaigne Essais III». Gallimard, Paris 1960.
[5] De la Vanité, Essais III,9. Oeuvres Complètes, 930.
[6] De la Vanité, Essais III,9. Oeuvres Complètes, 227.

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