AS INCERTEZAS
O mundo é somente esse que vemos ou existem vários
mundos? A terra é redonda ou oval? A terra é ao centro ou na periferia do
universo? O homem é ou não o centro da natureza e da terra? O sol gira do eixo
da terra ou a terra gira em torno do sol? O cristianismo é a religião
verdadeira ou há outras possibilidades de se encontrar com Deus? É justo lutar
pela supremacia do catolicismo ou não? Por quais caminhos ou convicções devemos
nos apegar? Talvez essas perguntas ordinárias do inicio do humanismo renascentista
povoavam a cabeça de Montaigne, a ponto que ele venha a se perguntar que: «Nunca
se viu na guerra tanta circunspecção e prudência como entre nós; será porque
temem perder-se em caminho e se reservam para a catástrofe final» [1]?
São sintomas das incertezas que rondavam a sociedade de então, o que
acalhava certo espírito de controle e de domínio para evitar demasiada
dispersão. As normas e as regras se sobressaltam, o que contraria os “espíritos
livres” ou que não se deixam engaiolar na onda de ortodoxia. Parece muito insistente e defensivos certos posicionamentos, e nessa atmosfera Montaigne não
poderia ter outro sentimento, afirmando que: «Detesto
toda espécie de obrigação, e em particular as que possam resultar de um ponto
de honra; e qualquer dom que implique reconhecimento de minha parte parece-me
demasiado oneroso»[2]. É uma referência à
imposição de um “protestantismo” e da aceitação forçada que exigem os “dogmas”,
de uma referência obrigatória a autores famosos[3]
e a tudo que se declare “sistematizador”.
Com incertezas de todos os lados, busca-se justificar e exagera-se, tanto
que ele diz que a mania de escrever parece ser sintoma de um século perturbado,
isto é, usam letras demais, quer dizer na linguagem de Montaigne que: «quanta
palavra para tratar da palavra» [4]. É certo que a Reforma
religiosa causou muito preconceito sobre a vida
nessa época francesa. A teologia, entrando para a língua do «vulgar», ensina as
virtudes do «viver bem» para àqueles que até então desconheciam tal
realidade. Mas o humanismo reside numa forma de chamar os homens aos
verdadeiros sentimentos humanos. A obsessão das guerras religiosas se dissecarão,
e são lentamente transformadas em pungente piedade, ou seja, na percepção de
uma urgente necessidade de reconciliação e de paz. Os distúrbios e motins
preparam uma sociedade na qual a real paixão religiosa e convicção políticas se
dissiparão numa elegante corrupção. Nasce assim a busca de um pouco de doçura
no meio de uma sociedade fútil, indiferentes e descrente. É nesse clima que se
insere, aceita e promove a teologia de «Raymond de Sebond». Há sim um clima de
pessimismo em torno do século, mas, ao mesmo tempo, se verifica um intenso
desejo de viver. Este século aspira à paz, depois de tantas “novidades” e
divergências, e assim nasce uma espécie de “ecletismo”, o qual invade o
pensamento em geral, já que está se tentando conciliar o que ha de positivo nas
paixões políticas, religiosas e literárias. As novas “possibilidades” invadem o
imaginário coletivo, e assim vemos proliferar uma quantidade incomensurável de
artistas, estudiosos, poetas, invenções e também de religiões, o que causa
muitas incertezas.
(Texto: Ribeiro, Jorge: As razoes da Tolerância em Montaigne, 2013)