E qual a razão da intolerância?

E qual as razões da intolerância?



Por P. Jorge Ribeiro

Quais as razões da intolerância?
O que leva alguém a se enveredar pelo caminho da intolerância, se a sua mesma natureza precisa ser tolerada continuamente? É esse um dado que a natureza humana é descontínua e que muitas vezes quer voltar aos princípios ou modos de antes? Constata-se que a mesma estrutura humana não é linear, muitas vezes estranha a si mesma. E aqui surge outra pergunta: alguém que se torna intolerante, incapaz de reconhecer os valores do «outro» e ainda forja razões para tal intolerância, pode-se dizer que seja alguém que leva a sério a sua existência e tem consciência do dinamismo interno que essa mesma vida comporta? 
  1. O absolutismo político
O estado deve dialogar com seus «súditos», tanto na elaboração e na execução das leis, por meio dos representantes do povo, como também deve escutar esse povo quando ocorre mudar sistema de convivência e de valores. Ninguém há o direito de impor a sua vontade e os seus valores a ninguém, nem mesmo um estado, salvo que esse seja totalitário e absoluto, o que foge ao desenho de uma sociedade democrática, aberta, porque se retém que somente um governo e um estado democráticos podem conduzir ao bem comum de maneira tolerante e pacífica. A essa altura se coloca outra pergunta: A que ponto, no mundo da política, tolerar seja respeitar devidamente? Como fomentar o acolhimento intrínseco à tolerância quando a própria lei não ajuda?
 O absolutismo, pelo seu método, que muito é de força, de domínio e de constrangimento leva facilmente à violência e à guerra, a pior de todas as pragas e porque a lealdade ao partido político absoluto e à sua ideologia é demasiado rígida e gerou grande intolerância, no passado e continua gerando no presente. Isso se pode ver onde se experimenta o sistema do partido único, mas também em sistemas democráticos que o presidente ou primeiro-ministro dita as regras e coage o parlamento a aprovar as leis de seu interesse. 
  1. O dogmatismo religioso
Joga fortemente nessa luta pela pureza e uniformidade da crença a ambiguidade humana, a variação, pois na maioria dos casos outros interesses invadem o que seria apenas o desejo de manter a integridade e a ortodoxia da fé, sem a busca de uma ajuda moral para o bem-estar dos adeptos. O dogmatismo, como qualquer outro sistema totalitário, acarreta consigo domínio, força, ameaça e intolerância. A obstinação em manter certo princípio religioso leva à exclusão, ao indiferentismo e até à violência. Tendo isso em vista que dizemos ser condenável a presunção de quem afirmando a própria fé entra em contradição com essa, ou seja, quando vai se negando a liberdade e a livre aderência das pessoas.

  1. O sistematicismo intelectual

A razão precisa ser dialogal, assistemática para poder capturar a essência da natureza do homem, que é mortal e frágil. A atitude coerente da razão dessa natureza volúvel e débil é a ignorância, o diálogo e a dúvida. Assim, ao invés de pretensiosamente afirmar, negar e sistematizar uma coisa, a razão deve se colocar em atitude de questionamento e se perguntar: «que say-je»?(Montaigne). Quer dizer, a razão deve oferecer espaço para que a verdade se revele e se mostre e não aprisioná-la em declarações e em sentenças de pura elaboração mental.
Uma ciência ou uma razão que se caracteriza pela sistematização e não prioriza a fluidez que caracteriza a natureza humana tende a se desaguar numa perversa vontade de domínio e de inversão da representação da verdade, dado que o que sustenta a mesma ciência e a sua certeza é a própria fragilidade humana e não a irrefutabilidade de seus argumentos. Somente a arrogância, a vaidade e a presunção podem levar que a razão humana tenha a pretensão de rotular a verdade por meio de sistemas, sem levar em consideração o outro com suas riquezas e suas necessidades; demasiada identidade acaba por se transformar em barbarismo e esse excluir e se fechar em si mesma da razão se versam numa atitude de intolerância, principalmente no tocante a outras possibilidades de conhecimento e de investigação.

  1. O indiferentismo antropológico

A tolerância é uma exigência para uma convivência sem uma discriminatória hierarquia, quer dizer, que cada qual vale pelo que é, pelo fato se ser pessoa, não pelos cargos que se ocupa, pela cor da pele que se tem, pela nação a que pertence ou pela condição sexual ou social; assim sendo, o papel da filosofia, como ciência da vida, é de formar o homem em grau de construir o mundo externo, de conquistar a própria liberdade, sem ser indiferente ao bem que o outro pode oferecer e sem a doentia pretensão de ser o melhor. O indiferentismo também se manifesta pela mesmice e pela falta de interesse pelo outro. Quando se confunde o que é comum com o que é normal, começa-se a correria para acatar o critério da maioria como se fosse verdade e bondade. Esse menosprezar o que é diverso pode levar a criar substratos classistas onde a violação da natureza vem traduzida como progresso.


  1. A banalidade sociocultural

A sociedade moderna é uma sociedade eclética, multirracial, multicultural e, sobretudo, multifacetada e deformada, isto é, bastante dividida, agnóstica, especializada e relativista, onde o «aparecer» e o «ter»  querem  constituir a meta e o valor; isso leva o comum a ser banal, não levar as coisas a sério, pouco se pôr perguntas sobre o porquê da vida e do seu senso, dado que se impera um triunfo do haver vantagem sobre tudo e a todos. 
 Essa barbárie sociocultural é traduzida em ausência de critérios e de parâmetros para a condução da civilização, ou seja, a confusão ou errada compreensão da tolerância pode levar a uma maneira superficial de viver, desrespeitando a diversidade de julgamento, onde se banaliza tudo, dando o mesmo peso a todas as coisas e a todas as ações, e, ao extremo, justifica-se e se aprova tanto a guerra, como o roubo, a corrupção ou a dedicação de quem busca fazer o bem em prol dos mais necessitados. Ser tolerante é ser capaz de dialogar e de acolher o outro, ainda que diverso, não é deixar correr ou ignorar as consequências das ações.


Conclusão:


Somos incapazes de conviver harmoniosamente com o que é diverso? Por que o distinto causa tanta repulsa, tanto animismo? Por que tentemos a afastar ou diminuir o que não é segundo os nossos critérios? Por que o que não é do nosso domínio causa tanto pavor? Será que somos assim incapazes de conviver, respeitosamente, com quem não somos nós? Por que essa fixação de querer reduzir tudo a mim ou aos meus critérios? Esse fechamento é que leva à intolerância. O itinerário que leva à intolerância é o medo da perda da própria hegemonia e do que o outro pode fazer comigo e com o que tenho e sou. O caminho da tolerância é o respeito pela igualdade e o reconhecimento da mesma dignidade ao outro que se está diante de mim. O outro não se reduz a mim, nem a meus desejos ou a meus interesses. O outro é sempre diferente e como tal deve ser acolhido, respeitado e valorizado.

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