Ilusões

Ilusões



Cada morte é um fracasso de Deus
Cada fracasso é um desastre do homem
Cada desastre é um sonho abortado
Cada aborto é uma cicatriz na imensa beleza do universo.

                  Por que os sonhos se desvanecem? E por que as dores permanecem?
                  Por que a distancia aumenta a saudade? Por que a negação é um chute na verdade?
                  Por que nem tudo que é vivo é bom? Por que tantas realidades não passam de ilusão?

O sono é sagrado, o tempo é sagrado, o destino é sagrado
Quem desacralizou as fantasias e a ilusão deu má época?
Por que o homem se iludiu de tristeza pensando encontrar a alegria?
Por que a ilusão tenta sempre esvaziar os espíritos que buscam se alimenta r de esperança?

                  Cada ilusão é um sonho que se põe em caminho
                  Cada caminho é busca incessante de novos horizontes
                  Cada horizonte é desejo inenarrável  de felicidade
                  A felicidade: ou se experimenta ou tudo não passa de ilusão.

Os porquês destroem as ilusões
As ilusões destroem os sofrimentos
Os sofrimentos destroem as alegrias
As alegrias confirmam todas e quaisquer ilusões.


Condição do homem

Condição do homem


Pe. Jorge Ribeiro
                                                                                                         

Quem é o homem? Do que é capaz e do que não é capaz? Não é pergunta retorica. É uma pergunta existencial. Qual o lugar do ser humano no mundo? Não se trata de descrever as partes ou funções, limites e qualidades e nem também as misérias e possibilidades, mas do que constituem a natureza movediça e inconstante do ser humano, capaz de gestos extraordinários e exuberantes, mas também de se debruçar perante as migalhas do vazio.
Quem sou eu então? Qual a minha essência? Como posso me compreender? Ler a si mesmo e perceber as nuanças da alma é a tarefa mais difícil (Montaigne). Esse emaranhado de fragmentos, sentimentos, desejos, retrações, como isso se explica e como se justifica? Eu mesmo sou estranho a mim e muitas vezes não me reconheço. A que é devido essa complexidade? Por que a natureza humana não é fixa e contínua? Essa reticência que desenha a figura humana é fruto das influências e  das civilizações ou é inerente a todo ser humano, independentemente das relações de tempo e de cultura?
Essa incerteza que a natureza impõe ao ser humano, exige dele continuada renovação e adequação ,e por isso mesmo, tantas vezes se sente perdido e deslocado no mundo. Qual é então a condição do homem no mundo? Não é simplesmente um animal e não é tampouco um ser espiritual. Não se identifica com os outros seres e não encontra seu lugar. Tem algo que especifica a raça humana e sua situação no cosmo? Nunca como nunca esse ser humano foi problema a si mesmo (M. Scheler). O que a autoconsciência do homem quer determinar com sua situação de ser inadequado? Talvez por isso B. Pascal tenha resumido nos seus pensamentos o que seria o ser humano e a sua pretensão: “o homem não é nem anjo nem animal, e a infelicidade quer que quem quer se mostrar anjo se mostre animal” (PASCAL, 2005, p. 279. Laf. 678; Bru. 358).
A pretensão humana é de ser infinito, mas é um nada. Na sua liberalidade, pela sua capacidade de pensar e querer, o ser humano, muitas vezes, acha-se absoluto e infinito, capaz de superar as próprias limitações e barreiras, mas todos nos percebemos carentes e necessitados, quem é totalmente autônomo e não precisa de ninguém para viver? Desde os objetos que usamos e as relações que vivenciamos, vem de outros e ainda mais o futuro, a vida nem sequer temos ideia do que é ou será. Pelo fato de poder algumas coisas a pessoa se sente importante e grande. Mas o real é que somente perante o nada que o homem pode se sentir gigante.
Como conciliar o lugar do homem entre o infinito e o ínfimo? Um ser pendurado entre dois mundos.  Deseja o infinito e abraça o passageiro. Constrói altas prosopopeias e padece de um resfriado. Que condição miserável. O homem é um caniço rachado. Pensante, mas frágil (Pascal). Pois para Pascal “a grandeza do homem é grande por ele conhecer-se miserável […]. É então ser miserável conhecer-se miserável, mas é ser grande conhecer que se é miserável” (Pensamentos, 394). O homem é grande por entender o que se passa e reflete sobre sua mesma condição, mas é esmagado pelas múltiplas circunstâncias que o envolve, por isso é fraco.
Como entender esse misto de absoluto e de nulidade num mesmo ser? A natureza humana é contraditória em si mesma, mas é sobretudo complexa, nela não há uma  única interpretação ou percepção, ela é multiforme e movediça. Essa heterodoxia da natureza humana não é um defeito ou uma imperfeição, mas simplesmente a sua peculiaridade. A natureza humana é assim oscilante e descontinua, por isso se aborrece e se desfigura com a rigidez e a mesmice. Essa fragilidade é também a força da raça humana, pois lhe habilita para se adaptar em diferentes realidades.
A fragilidade e a potencialidade da pessoa humana foi maravilhosamente descrita por B. Pascal. Ele afirma que: O homem não é senão um caniço pensante, o mais fraco na natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo; um vapor, uma gota de água basta para matá-lo. Mas, ainda que o universo o esmague, o homem seria mais nobre do que aquilo que o mata, pois, ele sabe que morre e a vantagem que o universo tem sobre ele. O universo de nada sabe. Toda a nossa dignidade consiste, pois, no pensamento. É daí que temos de nos elevar, e não do espaço e da duração que não conseguimos preencher. Trabalhamos, pois, para pensar bem: eis aí o princípio da moral. (PASCAL, 2005, p. 86. Laf. 200; Bru. 347).
O pensador francês quer advertir que existe uma desproporção entre o que o homem é e o que ele deseja ou pretende ser. O ser humano é feito de desejos, de quereres, de projeções, de sonhos e, por isso mesmo, capaz de se tornar todas as coisas, mas ao mesmo tempo se percebe limitado, impotente e incapaz perante a si mesmo e a outras perspectivas. O homem é grande em si, mas é miserável sem Deus. Acaso alguém pode escolher seu próprio nascimento? Ou pode acrescentar um dia de sua vida?
Por essas e outras que se é corriqueiro dizer que homem é capaz de tudo, inclusive de nada. Das mais nobres causas e das mais terríveis baixezas. Isso significa que “a duplicidade do homem é tão visível que alguns chegaram a pensar que tínhamos duas almas. Um sujeito simples lhes parece, com efeito, incapaz de tais e tão súbitas verdades, de uma presunção desmedida a um horrível abatimento do coração”. (PASCAL, 2005, p. 270. Laf. 629; Bru. 417). Essa duplicidade pode ser vista em muitos dados, como por exemplo, bom e mau, corpo e espírito, objeto e sujeito, grandeza e miséria. Não significa várias pessoas, mas uma pessoa multifacetada, o que não significa fragmentada ou desconstituída, mas um todo formado por diversas partes, integrantes e comunicantes entre si e em tantas vezes independentes.
A instabilidade e a incoerência da natureza humana deixa a pessoa numa situação de perplexidade, pois suspenso entre realidades antagônicas, é ele mesmo que deve servir de instrumento integrador e colaborar para que o humano seja humanizado e não angelizado ou bestializado, e com Pascal parece correto se questionar: “que tipo de quimera é então o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que fonte de contradições, que prodígio? Juiz de todas as coisas, verme imbecil, depositário da verdade, cloaca de incerteza e de erro, glória e rebotalho do universo”. (Pensamentos, 434). Essas duplicidades e pluralidade dentro de uma mesma pessoa não deve ser motivo de desaprovação ou de condenação, mas estimulo para a concretização de convivência maleável da pessoa consigo mesma e com o mundo que a cerca.
Cabe uma pergunta perante essa constatação que a pessoa humana seja uma pergunta aberta: Como desenvolver a humanidade integral do homem, quando ele é em si mesmo paradoxal e distraído? O reconhecimento de que se é instável e incerto demonstra a miserável grandeza do homem. A consciência trágica da própria condição é o caminho para a salvação da raça humana: nem robôs, nem anjos e nem bestas, mas simplesmente humano, quiçá mais humano do que apenas ter uma natureza aberta e ser um agente de tantas possibilidades.



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