As sombras do poder


O intimismo à sombra do poder

playboy Cabral, a exemplo do ex-ministro Palocci, julga naturais as relações (outrora perigosas) dos governantes com os grandes empreiteiros de obras públicas
07/06/2011
Luiz Ricardo Leitão

Este cronista é inteiramente avesso a querelas provincianas, mas os tambores que soam aqui no Rio de Janeiro obrigam-me a abordar, uma vez mais, os descaminhos da corte fluminense. Desde os idos da ditadura, com a fusão e a recessão econômica, este polo de resistência democrática, palco de eventos memoráveis como a “Marcha dos 100 Mil” e o comício das “Diretas Já!”, tem sido assaltado por sinistros clãs da política de Bruzundanga. E agora, após uma década nas mãos de Little RoseLittle Boy & Playboy, a província padece as terríveis mazelas do “intimismo à sombra do poder” que, nestas plagas tropicais, associa o pior legado de nossa promíscua vida pública à sanha irrefreável do grande capital.
Reporto-me, é óbvio, às revelações feitas pela imprensa acerca das “amizades cabralinas”, que, por certo, não incluem os bombeiros militares da comarca, nem tampouco os docentes da rede estadual de ensino, em greve há quase um mês, em luta por melhores condições de trabalho e urgente reajuste salarial (seus vencimentos estão congelados há 11 anos!). Em verdade, o playboy Cabral, a exemplo do ex-ministro Palocci, é apenas mais um filhote de Brás Cubas e Macunaíma que julga naturais as relações (outrora perigosas) dos governantes com os grandes empreiteiros de obras públicas – e que, ao final de seus ‘mandatos’, exibem extensas declarações de bens e pródigos extratos bancários...
Como já sentenciara mestre Karl Marx, ocorre, porém, que, para infortúnio do playboy, “tudo que é sólido se dissolve no ar”. Desta vez, foi um helicóptero nos céus nublados da Bahia que nos trouxe a verdade à tona. Seu piloto era Fernando Cavendish, dono da Delta Construções, empresa que, em quatro anos, enricou mais do que Palocci e cujos contratos com a administração do Rio giram hoje em torno de R$ 1 bilhão. Detalhe: segundo apurou o deputado Marcelo Freixo, em 2007, quando Sérgio Cabral assumiu, a Delta só possuía um contrato com o governo. Dom Cabral iria celebrar o aniversário de Cavendish no Jacumã Ocean Resort (oxe, que nome porreta: em tupi e inglês!), a nova coqueluche dos milionários no sul da Boa Terra, e deslocou-se até a Bahia no jatinho do seu compadre Eike Batista.
A “generosidade” do Sr. Eike, aquele cidadão que durante muitos anos só aparecia na mídia por ser o dono da coleira de Luma de Oliveira, cresceu muito em suas íntimas relações com oplayboy, a quem doou a bagatela de R$ 750 mil para a eleição de 2010 e, conforme se divulgou há pouco, também contribuiu com R$ 139 milhões para as ‘obras sociais’ da província. O empresário, aliás, fez questão de divulgar uma nota afirmando que teve “satisfação” de colocar o jato “à disposição” de Cabral e que é livre para escolher suas “amizades”. Como disse um cronista paulistano, só falta agora “dar ao amigo uma gargantilha com EBX gravado em brilhante”...
O episódio, inevitavelmente, provocou uma onda de denúncias contra a tchurma. A represa da insatisfação, já abalada com o criativo e contundente movimento dos bombeiros, pouco a pouco começa a transbordar. Apesar do seu conluio com a mídia, Cabral não pôde evitar que alguns jornais publicassem novas denúncias contra sua gestão. A mais recente revela que o governo abriu mão de quase R$ 50 bi em impostos entre 2007 e 2010, beneficiando cerca de cinco mil empresas pela renúncia fiscal, entre elas a Werner Coiffeur, que, nos últimos anos, cuidou dos cabelos do playboy e da primeira-dama Adriana Ancelmo (aquela advogada célebre por defender as corporações que prestam ‘serviços’ ao Rio). Outra informa que uma gráfica contratada para a campanha de reeleição do governador é investigada pela PF, suspeita de ser mera empresa de “fachada” (termo, aliás, bem adequado ao governo de Dom Cabral).
Enfim, os ‘amigos’ dizem que o gajo está em seu “inferno astral”. Até a esposa o teria deixado dois dias antes da fatídica viagem à Bahia. Mas a tchurma do playboy, de fato, não sabe o que é inferno. Que o digam os 439 bombeiros presos no mês passado e, sobretudo, os professores estaduais em greve, que só não estão no limbo porque o ‘santíssimo’ papa decidiu extinguir aquela paragem. E o que dirão os moradores de Santa Cruz, sufocados pela poeira tóxica de mais um muderno empreendimento da EBX?
Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e deLima Barreto – o rebelde imprescindível.

Org, Jorge Ribeiro
jorgeribeiroribeiro@gmail.com

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