Em caminho

Em caminho

A Quaresma é um itinerário a se percorrer. Não é somente um tempo, ainda que favorável, é um percurso, uma caminho a se fazer. Ao se colocar no caminho, tantas experiência e vivências se cruzam e se entrecruzam, pois a dinâmica do colocar-se em movimento é se entrelaçar com outras pessoas que também perfazem o trajeto. É na encruzilhada da caminhada que o cristão deve olhar para dentro de si e para o próximo e, a partir daí, verificar se o caminho que ele fez corresponde ao ideal da fé que professa e do propósito que se faz, de conversão pessoal e social. 
Perante os encontros e os percalços que se possa ter ao longo da trajetória, faz-se necessário abrir a mente e o coração para poder acolher as novas necessidades de mudança e escutar os gritos que clamam por maior justiça e interesse. A Quaresma não se caracteriza pelas renúncias que se possa fazer ou pelo jejum a ser praticado, mas pela capacidade de se colocar à disposição para adequar o próprio caminho ao caminho do Senhor. 
As belas experiências das via-sacras, dos encontros da CF, as visitas às famílias, tudo isso permite ao cristão fazer uma aproximação do que ele acredita daquilo que são as práticas devocionais e os frutos da tradição. A piedade que as pessoas empreendem nos encontros, meditando a Palavra de Deus e os textos que a Igreja indica para esse tempo, faz com que a Quaresma não estacione numa busca intimista de perfeição, mas em comunhão e em transformação da comunidade em que se encontra inserida a pessoa. 
A proposta da Quaresma é uma perspectiva que se abre, tanto de revisão pessoal e social, mas também como capacidade de situar-se. Irmanando-se nas diferentes situações que se propõe a reflexão da CF e no sofrimento de tantos que são injustiçados e padecem o peso da corrupção, assim, estar em caminho significa não assumir a realidade como pronta e não se deixar esmorecer pelas dificuldades, mas refazer e reinventar o caminho a cada dia. A quaresma ajuda a refletir sobre a caducidade da vida: do pó vieste e ao pó voltarás, mas é também um grito de libertação, pois o deixar-se reconciliar com Deus, apresenta-se como a possibilidade de renovação, de restauração e de uma luta, que ainda que difícil, não é inútil e nem em vão. 
O fruto e a alegria do caminho é o próprio caminhar. Onde chegar? Esse é outro detalhe. Viver a experiência do momento é o que faz ser peregrino e discípulo. Tantas vezes perde-se tempo em busca de uma igreja pura, santa, perfeita, liturgicamente correta, mas não se percebe a alegria e a transformação das rezas em grupos, das caminhadas e peregrinações que os fiéis empreendem.  As conversas com os idosos e enfermos e com seus familiares, por exemplo, humaniza e oferece atualização do Evangelho que, muitas vezes, nem nas pomposas celebrações se tem acesso. 
Enfim, a Quaresma possibilita a viver o cristianismo de modo encarnado e atual, sem os devaneios e os rubricismos que engessam e tiram a espontaneidade dos atos religiosos. A missão acontece aí onde as pessoas se deixam tocar uma pelas outras, na convivência, no diálogo, nos desencontros também. O formalismo gera apenas funcionários e especialistas. A naturalidade cria vida e esperança. Que importa se a senhora ao lado canta errado o bendito, importante que sua fé leva ao encontro com o Servo Sofredor. É preciso caminhar sempre, ainda que os pés estejam sangrando, mas parar é que realmente mata. 

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