Razão para
crer?
Por
que creio? Preciso crer para continuar vivendo. Pois quando o escândalo não é
mais possível é porque não sobrou mais nada. Optar pela angústia? Deixar-se
levar pelo desespero? Enveredar pelas trilas da tristeza? O que me resta? Acreditar
e esperar. É verdade que o importante é o hoje, devo dar sentido e plenitude à
vida presente, o amanhã e o futuro são tão incertos, por isso concordo em parte
com Russell que “quando morrerei, serei nada de nada e nenhuma coisa
sobreviverá de mim. Eu me esquivo viver tremendo de terror ao pensamento do
nada. A felicidade não é menos verdadeira porque deve terminar, nem o
pensamento ou o amor perdem o seu valor porque não são imortais”[1].
Temos uma crença e um desejo para o além, mas o que de fato experimentamos é o
aquém. E depois? Não tenho a menor ideia. Isso é fatalismo? Não penso que seja,
mas não posso negar ou aviltar o meu presente em função de um futuro. Então é
ateísmo? Quero que Deus me salve hoje, para não ter de perder tempo consertando
o já passado. Crer em Deus para mim é algo necessário para que eu possa
persistir, continuar e perseverar no bem. Se eu não acreditasse em Deus, qual o
motivo de fazer o bem ou de me preocupar com o depois? Aqui não falo das
manifestações religiosas ou das mitologias religiosas, mas da fé purificada,
que oferece um significado profundo à existência independentemente de qualquer
explicitação sociocultural. Acordar cedo, trabalhar, pagar as contas, projetar
o futuro, ajudar o próximo, qual o sentido de tudo isso se não acredito em
Deus? Seria suficiente a emoção, o temor ou a comoção para evitar o mal e se
esforçar em viver os valores? Qual o limite da caridade[2]?
O que impele alguém a ajudar o outro? Sem a crença o acaso tomaria corpo e as
coisas mudariam sem logicidade e ficaríamos mais perdidos que tudo. Razão
suficiente para crer? Para mim a
inteligibilidade da realidade é um fator primordial para uma vivência
responsável e para não desistir quando a lei da vantagem impera até nas esferas
religiosas (onde deveria reinar a gratuidade e o serviço); se eu não
acreditasse num Deus providente que caminha com a humanidade seria mais viável
viver como Diógenes[3],
pois não teria vantagem nenhuma se consumir por qualquer outra coisa. Por que
cuidar das pessoas, por que os sentimentos de compaixão, por que somos bons? Ou
simplesmente por esporte ou por tradição cultural? Ou tem uma razão maior e
mais consistente? A vida é absurda? Os limites são absurdos? É desgraça o que é
próprio da nossa espécie? Se não tem razão para crer, para que o esforço de
provar essa possibilidade[4]?
Entre objetivo e subjetivo, a razão maior está na própria experiência, ainda
que ela seja negativa. Tudo o que construímos é para melhor corroborar essa
chama que orienta a caminhada, do contrário, tudo se transforma em flatus vocis, ou seja, puro ritualismo
vazio e que apenas alimenta as superstições. A razão de crer é algo que
sustenta e impele a ter certeza que vale a pena viver apesar de toda essa
des–razão que o mundo oferece. Crer além e apesar de tudo, é o motivo pelo qual
encontro força para continuar vivendo e buscando ser feliz a cada dia.
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