Morte
e mortes
Chegando o dia da
comemoração do fiéis defuntos me sinto tentado a fazer uma reflexão sobre a
morte, ou melhor dizendo, sobre as mortes.
Partimos de algumas afirmações: o modo de ver a
morte para cético se aproxima muito da dimensão
realista: “O próprio viver é morrer,
porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a
menos nela” (Fernando Pessoa). A morte é uma constatação
fenomenológica, ela chegará mais cedo ou mais tarde, com uma desculpa ou outra,
mas sempre chega, o importante é viver o presente com intensidade e com
veracidade e não dá tanto peso à morte e às suas consequências. A morte faz
parte da nossa natureza caduca, ela é o fim da permanência no tempo e no
espaço.
Para
um cínico, a morte é uma ironia que se deve dar pouca importância: “Para quê
preocuparmo-nos com a morte? A vida tem tantos problemas que temos de resolver
primeiro” (Confúcio
), ou ainda, “A
morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte, e quando
existe a morte, não existimos mais” (Epicuro
). Ela é inevitável e passar os dias pensando ou se paralisando por medo dela
não resolve, mas impede ainda de viver de maneira generosa e integrada. A morte
é conclusão de uma vida no mundo.
Para
um realista, concebe-se a vida como uma passagem a ser registrada: “Os covardes
morrem várias vezes antes da sua morte, mas o homem corajoso experimenta a
morte apenas uma vez” (William Shakespeare ). A morte deve ser
encarada, assumida e canalizada, não permitindo assim que a sua incidência
provoque fragmentação na busca da própria realização.
Para
o ateu a morte é um absurdo, mas é um encontro que não se pode fugir: “Temer o amor é temer a vida e os que temem a vida já estão meio mortos”
(Bertrand Russell ) e ainda “Nunca se é homem enquanto se não encontra alguma coisa pela qual se
estaria disposto a morrer” (Jean-Paul Sartre). A morte se coloca no
horizonte como o propósito da mesma existência, isto é, a morte é a razão pela
qual se existe, pois a vida não tem uma razão, tudo não passa de uma ilusão e
querer justificar a sua realidade é dar margem à barbaridade.
Para
um crente, especialmente um cristão, a morte é o inicio de uma nova realidade:
“Não morro, entro n avida” (Teresa de Liseux).
A morte para quem acredita não é o fim e nem o objetivo da vida, é a
ponte que se deve atravessar para se chegar à verdadeira vida. A vida eterna. Para
quem tem fé na ressurreição, a morte é resultado de uma vida não vivida
justamente, castigo pela desobediência e que encontra em Jesus Cristo a sua
remissão, ou seja, n’Ele a morte perde a sua força e o seu valor, pois Ele se
coloca como possibilidade da vida que não passa, da vida verdadeira, da vida em
Deus: “ Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6). Jesus promete a vida,
a eternidade a partir da crença da sua filiação divina, quer dizer, Jesus é o passaporte para o Reino, Ele se propõe como sentido e
como realização da esperança, mas também como resposta aos desejos mais
profundos da pessoa e como possibilidade e garantia de eternidade: “Eu Sou a ressurreição e a vida, todo aquele que crê em mim, mesmo que
morra, viverá; e todo o que vive e
crê em mim, não morrerá eternamente. Tu crês nisso?” (Jo 11, 25-26).
Nesses dias que
comemoramos os fiéis defuntos, os nossos irmãos falecidos, cabe-nos a pergunta,
isto é, como lidamos com a questão da morte e como buscamos superar o seu medo.
Não basta esperar a vida eterna, faz-se necessário viver a vida presente, sem
fechar a possibilidade de entrar na vida de Cristo. O que temos garantido é o
tempo que se chama hoje e quando o vivemos com generosidade e sinceridade,
abrimos uma porta para a eternidade. Jesus se coloca como ponte para esse
horizonte que vai além do dado, do constatado e cabe a cada um de nós acreditar
em suas palavras e deixar que ele ilumine com sua presença a própria existência
ou viver a morte como o fim de tudo ou ainda estar na incerteza do que seja a
vida e do que seja a morte.
Dela não
escapamos! Não podemos querer nos enganar, refugiando na vida eterna e nem
descartar sua possibilidade. Jesus é a alternativa para um sentido à vida e à
morte, acreditando n’Ele e nas suas promessas se tem a chance de viver a vida
em plenitude, entretanto não podemos nos eximir de enfrentar a vida e a morte
com as suas belezas, dramaticidades e possibilidades, isto é, vivendo a fadiga
do cotidiano com o heroísmo de quem não espera nada e nem ninguém, mas não se
fecha aos raios novos que o sol pode fazer debruçar sobre cada alma despretensiosa
e capaz de acolher o convite de ir além do que já se te e se conhece: “Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais
horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando...
Porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive, já morreu...” (Sarah Westphal ).
Fica o convite: “ Vinde a mim todos que estejam cansados e eu os
aliviarei” e cada qual escolhe que resposta quer tributar e onde coloca a própria
esperança. E em relação aos que já partiram? Não os esqueçamos, façamos memória
dos momentos bonitos vividos juntos. Oremos pela paz e pelo repouso de seus espíritos
e os entreguemos nas mãos de quem pode vencer a morte‼
P. Jorge Ribeiro
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