O medo dos bárbaros: Para além do choque das civilizações por Maiara Caliman
TODOROV, Tzvetan. O medo dos bárbaros: para além do choque das civilizações. Rio de Janeiro: Vozes, 2010, 237 pp.
Sobre a autora[1]
A proposta do autor Tzvetan Todorov, búlgaro radicado na França, foi identificar qual o medo que atinge os bárbaros contemporâneos e como superá-lo, para que avancem a um status de civilização.
Empenhado em apontar uma separação existente entre os países do mundo, de acordo com a conjuntura da mundialização, o autor caracterizou um primeiro grupo de países por meio do termo apetite, referindo-se àqueles que buscam tirar proveito da globalização, do consumo e do lazer, como é o caso do Japão, China, Índia e Brasil. Um segundo grupo foi denominado porressentimento, representando os países de população mulçumana, que são frutos de uma humilhação que é alimentada diariamente pelos países mais ricos e poderosos. Um terceiro grupo é tratado de países do medo, o Ocidente, que havia dominado boa parte do mundo durante séculos, inclusive os países ressentimento. Um último grupo é designado de indecisão, que estão dispersos em vários continentes e que correm o risco de ficar sob a influência do apetite ou ressentimento.
Em seguida, Todorov se preocupa em esclarecer que, muitas vezes, para defender nossos valores somos levados a menosprezá-los, ameaçando converter-nos em bárbaros. Ele afirma que, por meio de atitude internas e externas, como, por exemplo, a intolerância contra os muçulmanos e a guerra, não há como combater as ameaças terroristas. É por meio da interpretação dos conflitos como sendo políticos e não culturais ou religiosos que se evita a deflagração da humanidade.
Após uma breve noção introdutória desse tema instigante, Todorov aborda no primeiro capítulo (Barbárie e civilização) o perfil do bárbaro, descrevendo-o como aquele que não conhece a humanidade dos outros . Num segundo momento, identifica o perfil do civilizado, sendo aquele que reconhece plenamente a humanidade dos outros , ou seja, reconhece que os outros não possuem o mesmo modo de vida que o seu, mas são portadores de humanidade semelhante à sua.
Com base nessa intepretação, Todorov passa à análise do termo cultura , atribuindo a este o conjunto das características da vida social, as maneiras coletivas de viver e de pensar, as formas e os estilos de organização do tempo e do espaço. Sua preocupação central, neste ponto, foi de revelar que a destruição da cultura (desculturação) leva o ser humano à impossibilidade de comunicar-se, logo, à barbárie. Portanto, as populações que lançam os estrangeiros para fora da humanidade, julgando sua cultura inexistente, podem gerar graves perturbações e, até mesmo, tensões internacionais. O autor afirma que
Uma cultura que incentiva seus integrantes a tomar consciência de suas próprias tradições, assim como a manter distância delas, é superior (portanto, por ser mais civilizada ) àquela que se contenta em lisonjear o orgulho de seus membros, garantindo-lhes que são os melhores do mundo, enquanto os outros grupos humanos não são dignos de interesse.[2]
No segundo capítulo (As identidades coletivas), o autor caracteriza o termo cultura essencial como a língua comum e o conjunto de referências compartilhadas. Ela serve de vínculo à comunidade que compartilha e permite que seus membros se comuniquem entre si. Entretanto, além de uma cultura essencial, possuímos várias identidades culturais, uma vez que não existem culturas puras, mas uma interação das culturas. Logo, todo indivíduo é pluricultural e no interior dos Estados encontram-se pessoas portadoras de numerosas culturas.
Preocupou-se ainda o autor em estender o debate ao caso da União Europeia. O Estado-nação está se enfraquecendo em razão do fortalecimento das redes transacionais e dos efeitos econômicos da globalização. O sentimento de proximidade entre seus habitantes, ou seja, a presença de uma identidade cultural em comum está diminuindo. Mas, a tomada de consciência de que a identidade de cada um é múltipla, o que não impede de pertencemos à mesma humanidade, é o que fortalecerá a unidade europeia.
O autor, em seu terceiro capítulo (A guerra entre o Ocidente e o islamismo), inicia fazendo uma crítica à obra O choque das civilizações de Samuel Huntington. Ele aponta um deslize de Huntington ao detectar que o confronto existente na Europa é cultural e não político. Para Todorov, o encontro entre as culturas, ao invés de produzir um choque, leva a uma interação, um empréstimo mútuo e um intercâmbio.
A teoria do choque das civilizações é adotada por todos aqueles que têm interesse em traduzir a complexidade do mundo em termos de confronto entre entidades simples e homogêneas: Ocidente e Oriente, mundo livre e islã [...]. Ao analisar, não os discursos de propaganda, mas o testemunho dos próprios combatentes, a religião não aparece em primeiro lugar. Suas motivações são, na maior parte das vezes, seculares: eles evocam suas simpatias pela população reduzida à miséria, vítima da arbitrariedade das classes dirigentes que, além de levarem uma vida de luxo e de corrupção, conseguem manter-se no poder graças ao apoio do governo norte-americano.[3]
Todorov vai além, conclui que a presença da ideologia ou da religião não deve ser negligenciada, mas não é suficiente para basear uma guerra religiosa ou ideológica, pois a guerra é declarada pelas entidades políticas. Logo, é necessário traçar uma linha de separação entre o islã, enquanto religião, e o islamismo, enquanto partido.
Ainda nesse sentido, o autor busca compreender o motivo dos atos terroristas, identificando sua origem, que não se encontra no conflito entre duas culturas, mas na ausência de um mínimo de cultura inicial. Muitos de seus adeptos são indivíduos oriundos da imigração, ou seja, afastados de sua origem e excluídos no lugar de sua residência atual.
Todorov focalizou ainda a existência da visão maniqueísta que descreve o mundo como se estivesse dividido entre a parte boa e a parte má. Entretanto, lembra o autor que não se deve confundir islamitas com terroristas, pois o terrorismo é uma modalidade de ação em que as origens e os objetivos não são, absolutamente, de natureza religiosa. Também, não se deve confundir islamismo com totalitarismo, uma vez que não é possível falar deste fora da máquina do Estado, ao passo que a aspiração do islamismo consiste em fundir apenas uma comunidade de crentes e não um Estado. Desta forma, as dicotomias entre Luzes e Trevas, mundo livre e obscurantismo, amável tolerância e violência cega, não representam uma boa gestão da pluralidade crescente, mas fortalecem o ressentimento de uns e o medo de outros.
Ao encerrar o terceiro capítulo, o autor põe em debate a questão do uso da tortura, que alimenta o espírito de violência dos países ressentimento. Ele coloca em pauta as justificativas de seus defensores, como o argumento utilitarista e o da necessidade de aterrorizar os terroristas. Todorov explica que tais argumentos não conseguem justificar a prática da tortura, pois servem de motivação para atacar com ainda mais vigor, sendo muito duvidosa esta possibilidade de impor o bem pela força.
No quarto capítulo (Navegar entre arrecifes), Todorov discute as tensões existentes na Europa, a partir de três episódios. O primeiro deles trata-se do assassinato, em Amsterdã, do diretor Theo Van Gogh de um filme chamadoSubmissão Parte I. O filme confrontava as ideias pregadas pelo islamismo e tinha como roteirista Hirsi Ali, ex-muçulmana que luta contra o sofrimento das mulheres muçulmanas.
O segundo caso lembrado por Todorov foi o das doze caricaturas do Profeta Maomé publicadas no jornal dinamarquês Jyllansds-Posten. Acompanhando ainda as caricaturas, um texto dizia que o cristianismo representava a modernidade e o islã representava as trevas. Alguns porta-vozes da comunidade muçulmana reagiram à publicação com veemência. O objetivo do jornal foi defender a liberdade de expressão, criticando e ridicularizando o islã, mas Todorov explica que existem limites à liberdade. Estes limites estão inseridos na esfera pública e social e são impregnados de valores.
O último caso abordado por Todorov diz respeito a um discurso feito pelo Papa Bento XVI na Universidade de Ratisbona, na Alemanha, sobre as relações de fé com a razão. O Papa, em alguns trechos de seu discurso, fez uma conexão entre islã e violência, o que provocou fortes reações no mundo, inclusive nas comunidades muçulmanas. Vale lembrar que o islã propagou-se por meio da violência, mas também pelo verbo e que, da mesma maneira, procedeu o cristianismo.
No último capítulo (A identidade europeia), Todorov lembra que, no decorrer da história, os europeus se submeteram a três grandes influências, simbolizadas por Roma, Jerusalém e Atenas. Mas outras tradições, como a persa, árabe e celta também influenciaram a história do continente europeu, legitimando o reconhecimento do pluralismo.
O autor busca levar à compreensão de seus leitores que o pluralismo europeu é uma vantagem, pois fortalece sua unidade da cultural. Essa vantagem reside no fato de garantir a liberdade de julgar e pensar, impelindo cada um dos países europeus a exercer seu espírito crítico. E ainda, o equilíbrio adequado entre pluralidade e unidade impede que um dos participantes venha a assumir uma posição hegemônica e exerça a tirania sobre os outros, evitando-se a instauração de um império.
O modelo cosmopolita da União Europeia, que promove a pluralidade cultural, com base na igualdade, enseja o reconhecimento não só dos indivíduos, mas das comunidades históricas, culturais e políticas. Conclui Todorov reafirmando que, reconhecendo a humanidade de todos os seus habitantes, a União Europeia chegará mais perto do ideal de civilização, superando seus medos, que muitas vezes, a tem impedido de avançar.
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