Parmênides: Da natureza

Parmênides: Da natureza

Os fragmentos abaixo fazem parte de um poema original intitulado Da Natureza e sua permanência, escrito pelo filósofo pré-socrático (classificado como tal, apesar de ter vivido mais ou menos na mesma época de Sócrates) Permênides de Eleia, e que influenciou inúmeros filósofos a partir do século IV a.C. até – mesmo que desapercebidamente – os dias atuais.
Esta tradução foi compilada por José Trindade Santos no livro homônimo lançado pelas Edições Loyola – e que recomendo a leitura para uma análise mais aprofundada, embora estritamente “filosófica científica”. Talvez não seja simples interpretar um poema fragmentado, mas certamente podemos ao menos intuir do que chegou até nós que Parmênides praticamente inaugurou a ontologia (a filosofia do ser). Além disso, se Espinosa por acaso não leu tal poema antes de compor sua Ética, devemos considerar que chegou a conclusões muito próximas mais de um milênio após o filósofo antigo.
Pois que quando Parmênides sabiamente resume que “o Ser é, o Não-ser jamais poderia haver sido”, está apenas refletindo sobre o mesmo tema que seria posteriormente desenvolvido na “Substância que não pode criar a si mesma, pois que é tudo o que é e foi e será” de Espinosa... Qualquer semelhança com filosofias ainda mais antigas, vindas do Oriente e, sobretudo, de algum canto do Egito, talvez não seja mera coincidência. Portanto, saboreiem com atenção:
Fragmento 1
Os corcéis que me transportam, tanto quanto o ânimo de impele, conduzem-me, depois de me terem dirigido pelo caminho famoso da divindade, que leva o homem sabedor por todas as cidades.
Por aí me levaram, por aí mesmo me lavaram os habilíssimos corcéis, puxando o carro, enquanto as jovens mostravam o caminho.
O eixo silvava nos cubos como uma siringe, incandescendo (ao ser movido pelas duas rodas que vertiginosamente o impeliam de um e de outro lado), quando se apressaram as jovens filhas do sol a levar-me, abandonando a região da Noite para a luz, libertando com as mãos a cabeça dos véus que a escondiam.
Aí está o portal que separa os caminhos da Noite e do Dia, encimado por um dintel e um umbral de pedra; o portal, etéreo, fechado por enormes batentes, dos quais a Justiça vingadora detém as chaves que os abrem e fecham.
A ela se dirigiram as jovens, com doces palavras, persuadindo-a habilmente a erguer para elas por um instante a barra do portal. E ele abriu-se, revelando um abismo hiante, enquanto fazia girar, um atrás do outro, os estridentes gonzos de bronze, fixados com pregos a cavilhas. Por ali, atrás do portal, as jovens guiaram com celeridade o carro e os corcéis.
E a deusa acolheu-me de bom grado, mão na mão direita tomando, e com estas palavras se me dirigiu: “Ó jovem, acompanhante de aurigas imortais, tu, que chegas até nós transportado pelos corcéis, Salve! Não foi um mau destino que te induziu a viajar por este caminho – tão fora do trilho dos homens –, mas o Direito e a Justiça. Terás, pois, de tudo aprender: o coração inabalável da realidade [ou “da verdade”] fidedigna e as crenças dos mortais, em que não há confiança genuína. Mas também isso aprenderás: como as aparências têm de aparentemente ser, passando todas através de tudo”.
Fragmentos 2-5
Vamos, vou dizer-te – e tu escuta e fixa o relato que ouviste – quais os únicos caminhos de investigação que há para pensar: um que é, que não é para não ser, é caminho de confiança (pois acompanha a realidade); o outro que não é, que tem de não ser, esse te indico ser caminho em tudo ignoto, pois não poderás conhecer o não-ser, não é possível, nem indicá-lo [...]
o mesmo é pensar e ser
[...] pois o mesmo é pensar e ser.
Nota também como o que está longe pela mente se torna firmemente presente: pois não separarás o ser de sua continuidade com o ser, nem dispersando-o por toda a parte segundo a ordem do mundo, nem reunindo-o.
[...] para mim é o mesmo por onde hei de começar: pois aí tornarei de novo.
Fragmento 6
É necessário que o ser, o dizer e o pensar sejam: pois podem ser, enquanto o nada não é: nisto te indico que reflitas.
Desta primeira via de investigação te [afasto], e logo também daquela em que os mortais, que nada sabem, vagueiam, com duas cabeças: pois a incapacidade lhes guia no peito a mente errante; e são levados, surdos ao mesmo tempo que cegos, aturdidos, multidão indecisa, que acredita que o ser e o não-ser são o mesmo e o não-mesmo, para quem é regressivo o caminho de todas as coisas.
Fragmentos 7-8 [1]
Pois nunca isto será demonstrado: que são as coisas que não são; mas afasta desta via de investigação o pensamento, não te force por esse caminho o costume muito experimentado, deixando vaguear olhos que não veem, ouvidos soantes e língua, mas decide pela razão a prova muito disputada de que falei.
Só falta agora falar do caminho que é. Sobre esse são muitos os sinais de que o ser é ingênito e indestrutível, pois é compacto, inabalável e sem fim; não foi nem será, pois é agora um todo homogêneo, uno, contínuo. Com efeito, que origem lhe investigarias? Como e onde se acrescentaria? Nem do não-ser te deixarei falar, nem pensar: pois não é dizível, nem pensável, visto que não é. E que necessidade o impeliria a nascer, depois ou antes, começando do nada?
E, assim, é necessário que seja de todo, ou não.
Nem a força da confiança consentirá que do não-ser nasça algo ao pé do ser. Por isso nem nascer, nem perecer, permite a Justiça, afrouxando as cadeias, mas sustém-nas: esta é a decisão acerca disso – é ou não é –; decidido está então, como necessidade, deixar uma das vias como impensável e inexprimível (pois não é via verdadeira), enquanto a outra é a autêntica.
Como poderia o ser perecer? Como poderia gerar-se? Pois, se era, não é, nem poderia vir a ser.
E assim a gênese se extingue e da destruição não se fala.
é todo cheio de ser e por isso todo contínuo
Nem é divisível, visto ser todo homogêneo, nem num lado é mais, que o impeça de ser contínuo, nem noutro menos, mas é todo cheio de ser e por isso todo contínuo, pois o ser é com o ser.
Além disso, é imóvel nas cadeias dos potentes laços, sem princípio nem fim, pois gênese e destruição foram afastadas para longe, repelidas pela confiança verdadeira.
O mesmo em si mesmo permanece e por si mesmo repousa, e assim firme em si fica. Pois a potente Necessidade o tem nos limites dos laços, que de todo o lado o cercam.
Pois não é justo que o ser seja incompleto: pois não é carente; ao [não-]ser, contudo, tudo lhe falta. O mesmo é o que há para pensar e aquilo por causa de que há pensamento.
Pois, sem o ser – ao qual está prometido –, não acharás o pensar. Pois não é e não será outra coisa além do ser, visto o Destino o ter amarrado para ser inteiro e imóvel. Acerca dele são todos os nomes que os mortais instituíram, confiantes de que eram reais: “gerar-se” e “destruir-se”, “ser” e “não ser”, “mudar de lugar” e “mudar a cor brilhante”.
Visto que tem um limite extremo, é completo por todos os lados, semelhante à massa de uma esfera bem rotunda, em equilíbrio do centro a toda a parte; pois, nem maior, nem menor, aqui ou ali, é forçoso que seja.
Pois nem o não-ser é, que o impeça de chegar até o mesmo, nem é possível que o ser seja maior aqui, menor ali, visto ser todo inviolável: pois é igual por todo o lado, e fica igualmente nos limites.
Nisso cesso o discurso fiável e o pensamento em torno da verdade; depois disso as humanas opiniões aprende, escutando a ordem enganadora das minhas palavras. E estabeleceram duas formas, que nomearam, das quais uma não deviam nomear – e nisso erraram –, e separaram os contrários como corpos e postaram sinais, separados uns dos outros: aqui a chama do fogo etéreo, branda, muito leve, em tudo a mesma consigo, mas não a mesma com a outra; e a outra também em si contrária, a noite sem luz, espessa e pesada.
Esta ordem cósmica eu te declaro toda plausível, de modo algum que nenhum saber dos mortais te venha transviar.
Fragmentos 9-11
Mas, uma vez que tudo é chamado luz ou noite e o conforme a estas potências é dado a isto e aquilo, tudo é igualmente cheio de luz e de noite obscura, ambas iguais, visto cada uma delas ser como nada.
E conhecerás a natureza do éter e no éter de todos os sinais e dos raios da pura lâmpada do sol as obras destruidoras, e de onde nascem, e conhecerás as obras que rodam em torno da lua de olho redondo e a sua natureza, e saberás do céu que os tem à volta, e de onde nasce, e como guiando-o a Necessidade o obriga a conter os limites dos astros.
[...] como a terra e o sol e a lua e o éter que a tudo é comum e a Via-Láctea e o Olimpo extremo e o calor ardente dos astros forçados a nascer.
Fragmentos 12-13 [2]
Pois as coroas mais estreitas enchem-se de fogo sem mistura e as que vêm à noite depois destas, mas com elas lança-se uma parte de chama.
em tudo comanda o parto e a mistura
No meio delas está a divindade que tudo governa; pois em tudo comanda o parto doloroso e a mistura, impelindo a fêmea a unir-se ao macho, e ao contrário o macho à fêmea.
Primeiro que todos os deuses, concebeu Eros.
Fragmentos 14-16
Facho noturno, em torno à terra, alumiado a uma alheia luz. Sempre à espreita dos raios do sol.
(15a [Nota posterior]: Parmênides no poema diz que “a terra tem raízes na água”.)
Pois, tal como cada um tem mistura nos membros errantes, assim aos homens chega o pensamento; pois o mesmo é o que nos homens pensa, a natureza dos membros, em cada um e em todos; pois o mais [pleno] é o pensamento.
Fragmentos 17-19
À direita os machos, à esquerda as fêmeas.
Quando a mulher e o homem juntos misturam as sementes de Vênus, a força que se forma nas veias a partir de sangues diversos, mantendo o equilíbrio, gera corpos bem formados.
Se, contudo, misturados os sêmens, as forças se opõem, e não fazem unidade, misturados no corpo, cruéis, atormentam o sexo da criança com o duplo sêmen.
Assim, segundo a opinião, as coisas nasceram e agora são e depois crescerão e hão de ter fim. A essas os homens puseram um nome que a cada uma distingue.

Um comentário:

PE. JORGE RIBEIRO disse...

O ser é o nao ser nao é...

Pra se pensar ....

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