O
homem: um ser errante e ondulante
P. Jorge Ribeiro
A nossa existência é
muito delicada e facilmente se turva, basta uma nada para exultarmos de
alegria, como basta um nada para fazer sobrecarregar uma imensa nuvem de
tristeza; é que a nossa natureza é movediça e não se contenta com o dado, mas
se faz e refaz continuamente e jamais está totalmente satisfeita de si mesma.
O que mais caracteriza
a busca da pessoa é esse constante sair e voltar para si mesmo, porque não se
sente cidadão de nenhuma parte e ao mesmo tempo não se reconhece quando fechado
dentro de si mesmo, como já afirmava o fantástico Montaigne, ou seja, que “Nunca
estamos em casa; estamos sempre além dela” (Michel de Montaigne, Ensaios I, 3).
O homem é um ser
ondulante, que vive suspenso entre o passado e o futuro, no irreversível
movimento de se fazer e de se tornar o que deve ser, sem, contudo, ser completamente
realizado ou satisfeito. No movimento inenarrável de ir e vir, de buscar e
recolher, esse homem, eu e cada um de nós, não nos cansamos de nos investigar e
nos aborrecemos por qualquer tolice que possa exasperar a nossa liberdade.
É que cada pessoa, de algum
modo, parece ser o espelho dos vastos
acontecimentos do que sucede ao seu redor; as preocupações e as fadigas nos
impedem de ver o horizonte assim como ele é, e mascaramos o que presumimos não agradar
os outros e, por isso mesmo, tantas vezes estamos errantes e nos escondemos,
como constatava o nosso Montaigne ao dizer que “O homem é o único animal cuja
imperfeição se afigura chocante aos seus semelhantes, o único que se esconde
dos demais de sua espécie...” (Michel de Montaigne, Ensaios II, 12).
Mas por que todo esse
descontentamento e esse movimento do homem que não se identifica com a sua
mesma essência? Talvez porque somos atingidos demasiadamente pelos eventos
externos: “Somos vítimas da inconstância, da irresolução, da incerteza, do
luto, da superstição, da preocupação com o futuro, inclusive o de depois da
morte, ...” (Michel de Montaigne, Ensaios
II, 12). Ou talvez por que não nos identificamos com o projeto existencial no
qual nos encontramos e não nos sentimos arquitetos do nosso próprio destino?
Afirma Montaigne que Ӄ
da natureza humana agradar-se mais do alheio do que do próprio; gostamos do
movimento e das mudanças” (Michel de Montaigne, Ensaios III, 9). O que isto significa? Que não nos reconhecemos no
mundo no qual nos encontramos? Que as realidades intramundanas não sejam
suficientes para completar todos nossos anseios e desejos? Ou será que temos
saudade de um paraíso que pensamos fazer parte de nossa trajetória? O que
implica esse colocar-se sempre em caminho e nunca chegar a lugar nenhum?
No dizer de Montaigne
seria porque não aceitamos a nossa mísera condição de mortais e almejamos a
eternidade, e, por isso, fugimos sempre da morte e como ela nos alcança sempre,
fugimos de nós mesmos para poder nos despistar dessa cilada. E conclui Montaigne
que “A meta de nossa existência é a morte; é este o nosso objetivo fatal.
(...).O remédio do homem vulgar consiste em não pensar a morte. Mas quanta
estupidez será preciso por uma tamanha cegueira?” (Michel de Montaigne, Ensaios I, 20).
A vida autêntica da
pessoa, isto é, o viver com seriedade e com significado seria ter sempre a
morte presente no próprio horizonte? Pensando a morte a pessoa pode, realmente,
relativizar muitos conceitos e muitas realidades, dado que essa constatação
provoca a libertação de possíveis sujeições e desvios. A natureza humana não quer
aceitar o seu ser errante e ondulante, porque ele sabe, por implacável experiência
que o destino de todos é o abraço com uma realidade desconhecida e isso
possibilita muitas reações, desde o fugitivo modo de ser como se tudo fosse eterno, desde o
total desmotivamento para construir algo ou a si mesmo, já que tudo caminha
verso um fim intransponível.
Os laços que importunam
o desenvolvimento da pessoa são adversos e variáveis, entretanto, somente
assumindo a consciência de que no mundo somos apenas peregrinos, errantes e ondulantes,
e que essas características não sejam defeitos da estrutura humana, mas o
diferencial que pode levar essa mesma natureza movediça a encontrar a sua
realização; justamente é nesse dinamismo que a pessoa pode se encontrar, não como
ser estático e cabal, mas como viajante, ou seja, somente assumindo que seja um
ser inapto e em constante transformação e mudanças que o homem pode ser o que
deve ser, ele mesmo, uma pergunta aberta.
P. Jorge Ribeiro
Feira de
Santana, Bahia 08/04/2014
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