PLURALISMO
OU CULTO DAS DIFERENÇAS?
As
diferenças são acolhidas e respeitadas ou apenas suportadas? Na
sociedade que estamos inseridos, as pessoas acabam priorizando as
suas individualidades e deixando de lado o amor e respeito aos
semelhantes, numa espécie de infirenteismo soicial.
É
certo que os indivíduos possuem maneiras de pensar, falar e agir,
conforme acreditam estarem certas e como são educadas, tudo isso
desde que não prejudiquem a comunidade. Também é certo e justo que
os seres humanos recebam educações diferentes, pois vivem em
condições
e mundos diversos; por tal motivo, cada pessoa tem as suas
particularidades e percebem diversamente a realidade. Deste axioma
parece claro que não devemos discriminar as diferenças, mas sim
superá-las e integrá-las.
Entretanto,
sabe-se que nem todos conseguem conviver com as diferenças
individuais e culturais, assim se tem uma tendência
a suprir as diferenças ou emarginar os sujeitos portadores das
mesmas.
Ser diferente, neste sentido já não parece tão encantador e pode
ser causa de dificuldade e de risco. No nosso mundo capitalista, os
indivíduos acabam se preocupando mais em ter, em aparecer e muitos
se esquecem de ser aquilo que realmente é e, de conseqüência, não
aproveitando as oportunidades de ser um ser-humano determinado,
realizado e integrado.
Tal
comportamento causa, sem dúvidas,
muitas diferenças sociais e também o afastamento dos indivíduos de
um relacionamento espontâneo
e de confiança. Nasce uma perplexidade e uma rejeição em confronto
ao outro. O meio de superar é a pratica da tolerância e do
acolhimento, ou seja, é preciso
aceitar as pessoas exatamente como elas são, com as suas
particularidades, ainda que certos comportamentos e atitudes precisem
ser adequados ao ambiente que um mesmo se encontra. Muitas vezes é o
medo do diferente que provoca rejeição,
preconceito, racismo e intolerâncias.
De
outra parte, quando se passa a
valorizar os indivíduos pelas suas qualidades, os defeitos também
são acolhidos como parte integrante desses; não é que se deve cair
no relativismo ou na banalidade cultural e dizer que tudo é igual e
que tudo há o mesmo valor, se assim fosse a tolerância
se transformaria numa ditadura e a convivência
se tornaria uma anarquia. O principio básico da tolerância é que
independente
de classe, cor, raça ou condição social, somos igualmente
importantes e temos a mesma dignidade e que devemos aceitar nossos
semelhantes como eles são, com os seus defeitos, imperfeições,
limitações, medos, carências, mas sem perder o senso crítico
e o reconhecimento de possíveis impossibilidades.
Não
se pode em nome da unidade e da comunhão
podar as diferenças e não se deve também no nome da universalismo
forçar as pessoas serem iguais, pois uma coisa é reconhecer os
direitos e respitar o diferente e o estranho e outra coisa é negar
as diferenças para evitar retaliações. Ser massa, igual a todos é
mais fácil, pois a violência, a descriminação e o racismo
acontecem, geralmente, a minorias e tanto quando se supera a
humilhação pública permanece o preconceito velado e perverso do
caracturismo ou do esibicionismo, como exemplar de raridade.
O
diverso, o estranho, o desconhecido, o outro é visto como bárbaro
ou como território a ser descoberto? É conhecido de todos que o
medo é um sentimento inerente à natureza humana e, sobretudo, o
medo do desconhecido, do diverso, do estranho. Hoje em dia tem-se a
impressão de que podemos controlar tudo e assim se experimenta uma
falsa ideia que não existe medos ou barreiras, quando, na verdade,
estamos a mercê da existência e somos aterrorizados quando esse
controle foge às nossas vistas, dado que se pode melhor o ritmo e a
qualidade de vida, superar fronteiras e prejuizos, mas não podemos
controlar nossa finitude e o natural instinto de proteção.
O
medo que antes era mais dos agentes externos, especilamente fenômenos
naturais, hoje se redimenciona e a esfera do medo se aloja mais no
mundo da consciência e essa se manifesta perplexa e reticente em
relação
ao «outro», o qual pode ser o mundo desconhecido de cada sujeito em
si mesmo ou o que não sou eu.
Viver
com outro e, portanto, com os estrangeiros – que é o fundamento
demográfico e social da exposição às diferenças e a qualquer
espécie de alteridade – não é de forma alguma um fato novo na
história moderna. Mas antes a idéia era, grosso modo, a de que
qualquer um que fosse estranho, estrangeiro, diverso de ti perderia
mais cedo ou mais tarde o seu caráter de estrangeiro, como uma fruta
que é selvagem antes de conhecer o seu nome e os seus nutrientes. A
política dominante em relação aos estrangeiros, durante a maior
parte da história moderna, foi uma política de assimilação:
“Vocês estão aqui, estão fisicamente vizinhos; tornemo-nos,
pois, vizinhos também espiritualmente, mentalmente, eticamente”, o
que quer dizer aceitar os mesmos valores universais, onde, porém,
com “universais”, sempre eram entendidos os “nossos” valores,
ou seja, iguais mas separados.
Assim,
com essa perspectiva, na qual o ser estrangeiro era apenas um
desagradável incômodo passageiro, não existia a idéia de dever
aprender a viver com o diverso. Agora, pela primeira vez na história
moderna, conseguimos nos dar conta de que as coisas não são bem
assim. A modernidade sempre foi um período de migrações massivas
de pessoas de um continente a outro, de uma extremidade do mundo a
outra, de uma cultura a outra, e a migração aconteceu por
necessidade nas circunstâncias modernas em que, para as pessoas
assim chamadas em excesso, pessoas para quem não se podia encontrar
uma colocação na sua sociedade de origem, não havia espaço na
nova ordem, no novo estado avançado do progresso econômico, sendo
forçadas a viajar e o “novo mundo” e o seus habitantes até
então desconhecidos e que se deveria conviver trouxe novas problemas
e novos valores.
Todavia,
há uma diferença: as migrações contemporâneas têm um caráter
diaspórico, não assimilatório. As pessoas que vão para um outro
país, não vão com a intenção de se tornar como a população
hóspede. E a população hóspede, nativa, não é particularmente
interessada em assimilá-las. E o problema é que se a política de
assimilação não é mais facilmente percorrível, como podemos
viver, dia após dia, com os estrangeiros? Como podemos comunicar,
cooperar, viver em paz sem que percamos a nossa identidade e que eles
percam a sua – portanto, em uma coabitação que não leve à
uniformidade? Em outras palavras, a questão não é mais aquela de
ser tolerante em relação a pessoas diversas, mas como manter a
própria identidade sem destruir a do outro.
A
tolerância na verdade é muito frequentemente uma outra face da
discriminação. “Sou tolerante em relação aos teus hábitos e
aos teus modos bizarros. Sou uma pessoa muito aberta, sou superior a
ti. Compreendo que o meu estilo de vida é inaceitável para ti. Tu
não podes alcançar o mesmo nível. Então, permito-lhe de seguir o
teu estilo de vida, mas eu não o faria nunca se estivesse em você”,
ou seja, o que é meu é o ideal e o normal, as coisas tuas são
excessões
e subversões, dado que quem hospita é o civilizado e o diverso é o
bárbaro, o selvagem, o estrangeiro.
O desafio com que devemos nos confrontar hoje consiste em passar
dessa atitude de tolerância a um nível mais alto, isto é, a uma
atitude de solidariedade.
Os
estrangeiros metem medo. Chamei esse medo típico das cidades
contemporâneas de mixofobia, a fobia de misturar-se com outras
pessoas, porque lá onde nos misturamos a outras pessoas em um
ambiente pouco familiar tudo pode acontecer, mas é também medo de
perder o próprio terreno e o próprio poder. É muito mais fácil
culpalizar o estrangeiro, o desconhecido pelos problemas e
subversões, dado que é o outro que me traz o inferno, é sempre
culpa do outro se a peste invade nossas cidades limpas e civilizadas.
Mas
a mesma condição de mistura com os estrangeiros provoca também uma
outra atitude, ou a rejeição,
a exclusão e o desfrutamento ou o enriquecimento mútuo, ou seja, o
fato de poder colocar juntas experiências, recordações, visões de
mundo muito diversas, coisa que pode levar a uma prosperidade de
desenvolvimento cultural. O fato de poder afirmar a própria
identidade não significa negar a do outro e vice-versa, pois a
tolerância
positiva exige um certo aprender a apreciar as oportunidades criadas
pelas nossas diferenças e colocar da parte os preconceitos, racismos
e exclusivismos. De um lado os habitantes originários
se fecham e se protegem contra os estrangeiros e do outro lado, os
mesmos estrangeiros criam guetos, associações
e grupos, para reveindicarem os direitos, mas também para se
protegerem ou atacar os outros.
As
diferenças devem comunicarem permanecendo tais.
Em
grupos de minorias, seja de raças, de cultura, de religião
ou de gênero,
há um forte apelo ao culto das diferenças, isto é, de um lado se
faz valer os próprios direitos e espaços na sociedade e nos
organismos, mas também, em muitos casos, busca-se reprimir ou negar
os direitos e as conquistas dos outros, quero dizer que não se pode
levantar uma bandeira de justiça e de igualdade se isso não vale
para todos, não se pode também em nome de prejuizos históricos
ser intolerante com quem tem causado sofrimento a determinada classe
ou condição.
Assim, o multiculturalismo enquanto movimento reivindicatório de
grupos e identidades que lutam por direitos e reconhecimento também
tem seus limites, suas contradições. A principal bandeira do
multiculturalismo: a diferença, ou o direito à diferença, é ainda
mais complexa e difusa, enquanto pauta política, do que se pode
perceber num primeiro momento ou se vive uma ditadura ao contrário,
o escravo se torna algoz para usar uma terminologia social.
A
igualdade como valor absoluto e o universalismo como princípio
sempre foram temas que estiveram na pauta de reivindicação de
muitos grupos inconformados com as injustiças, mas baseados na
igualdade e na justiça para todos. Foram a igualdade e o
universalismo, inclusive, condições fundamentais para a
constituição e a consolidação dos direitos humanos, porque se não
for para todos, universal, uma declaração de direitos não tem
validade alguma, perde seu sentido, dado que “a morte de uma pessoa
é sempre morte de uma pessoa”, pode-se dizer também que o
constitui um valor absoluto para uma pessoa deve valer para todas as
pessoas.
O
pluralismo então se afirma como capacidade de acolhimento e de
respeito pelas diferenças, sem a pretensão
de transformar as diferenças em normativas endeusadas e
obrigatórias,
porque se sabe que uma razão
que busque se impor com a força perde a sua mesma razão,
mas não se deve somente tolerar o diferente como exemplar raro ou
com animal de espetáculo
ou como convivência forçada, ou seja, reconhecer as diferenças e
tentar uma complementariedade, pois ter
medo da tolerância é como ter medo da liberdade. A liberdade exige
tolerância e o pluralismo exige uma identidade de si e consciência
da própria condição
existencial. O pluralismo muito mais que permitir as diferentes
manifestações
do que seja diverso ou desconhecido é capacidade de dialogar e de
conviver harmoniosamente sem se perder e sem sufocar o outro, pois é
completar o próprio retrato com as luzes que vêm
de todas as direções.
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