Montaigne: a reflexão sobre o homem como dialética em ação


A reflexão sobre o homem: uma dialética em ação



«Je me contente de jouir le monde sans m’em empresser, de vivre une vie seulement excusable, et qui seulement ne poise ny à moy, ny à autruy»[1]. Dessa maneira constatamos que para Montaigne o homem é por natureza uma extraordinária combinação de querer e agir, de ação numa dialética de seu mundo interior com aquele exterior. Essa consciência de si em Montaigne é diálogo consigo mesmo. Um diálogo intenso e dinâmico, capaz de levar o indivíduo a sair de suas próprias estruturas para interferir ou conduzir o mundo fora de si. Em Montaigne, o que passa do seu mundo interior, o que ele desenha em seus Ensaios e Journal e o que ele busca vivenciar na sua cotidianidade são inseparáveis. Esse amalgama de «vivências» faz de Montaigne, no seu estilo único, o precursor não somente da literatura francesa moderna[2], mas também da reflexão antropológica moderna, antecipando assim o carro-chefe de todo pensamento posterior.
As idéias claras e o pensamento vivaz encontram em Montaigne uma espontaneidade que se deságua em opiniões, em sentimentos e em atos injustificáveis, mas que são manifestações evidentes do sujeito humano. Dessa forma «a reflexão sobre o homem, quer dizer de si mesmo, é uma interrogação endereçada ao seu próprio eu»[3], mas que espelha o existente em todos os homens. É esta de Montaigne uma «investigação sem a qual a pureza da razão seria ilusória e impura»[4]. A investigação de si leva à ação exterior, pois para ele ser consciente significa entre outras coisas, está alhures, uma existência que não seja «uma carga nem para mim e nem para os outros»[5], faz assim perceber na sua explicação do homem uma dose de hedonismo, porém sem cair numa desenfreado busca de satisfação ou vida descompromissada.
Para Montaigne a «vida é delicada e facilmente se turva»[6], que muitos percebem aí a ambigüidade da natureza humana e o fluxo da reflexão montaigneana sobre a fragilidade como essência do próprio ser do homem e, ao mesmo tempo, como força dialética que leva esse homem a ser o que deve ser. A consciência da própria fragilidade e limite leva o sujeito a ser presente a si mesmo.



[1] De la Vanité, Essais III,9. Oeuvres Complètes, 930.
[2] Petrônio R., Montaigne: o teatro do mundo. Revista de cultura n. 21\22.  Fortaleza – São Paulo, fevereiro \ março 2002.
[3] Theobaldo M. C., Sobre o «Da Educação das crianças»: a nova maneira de Montaigne. Tese de doutoramento.  USP, São Paulo 2008, 58.
[4] Merleau-Ponty M., «Lecture de Montaigne». In «Préface, Montaigne Essais III». Gallimard, Paris 1960.
[5] De la Vanité, Essais III,9. Oeuvres Complètes, 930.
[6] De la Vanité, Essais III,9. Oeuvres Complètes, 227.

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