Minha cara na chuva
Por Pe. Jorge Ribeiro
Vou
perambulando, sem saber onde chegar e nem por quais caminhos seguir. Quero
continuar caminhando, mesmo sem ermo e sem direção. Parar seria morrer, seria
jogar no abismo os pequenos tropeços, trapaças e sonhos. Então vou procurando
um lugar onde eu possa saciar esse desassossego que a dor imperdoável de
carregar o futuro me condena. Nesse caminhar desertado sinto fome, mas ‘minha
fome é matéria que você não alcança’, assim continuo engolindo sapos e
vomitando delírios. Imaginei-me estável, mas tudo era transeunte e agora quando já não tem espaço, vou vagueando pela
vida sem querer pousar, mesmo porque não pretendo a chegar a lugar nenhum.
Já é noite e nessa escuridão lastimo
a febre que me queima e que não aceito, pois não tenho como voltar, porque já
esqueci o caminho, mas quero atravessar o deserto que se aplaca como única
certeza. O que me espera não sei, o desconhecido não me amedronta e nem o
futuro me atormenta. Vou apenas circulando, acolhendo despretensiosamente o que
se tem e sem receio deixo minha cara na chuva. A chuva são lágrimas que regam a
terra seca da solidão e nesse chão quero plantar esperança. Mas posso errar e
errante continuar. Eu sei que falhar é
uma chatice, todos queremos acertar e esse desejo consome os dias, o tempo é
dele mesmo, por mais que lutemos ele passa desapercebidamente. Não adianta se
lastimar e se enfadar, tudo é destinado à caducidade, inclusive eu e você.
As pessoas são como troncos, que
regados e fortalecidos, dão frutos, mas se a estiagem for prolongada, seca e
vira pó. Não somos nada enquanto garantia, apenas uma ilusão que vai se
afirmando. Não serve programar o indescritível e confabular para se tornar
absoluto, tudo se esvai e sem muito esforço. A que serve construir um ensaio
sobre a própria casa? Imaginar a cegueira nunca é o mesmo de ser cego. A vida
precisa ser vivida, deixar a cara na chuva e se molhar, pois a vida é
interessante, para quem tem interesse e acha que deve lutar por ele. Sem
pessimismo e sem relativismo, mas tudo faz sentido para quem tem um sentido, a
quem a vida desproveu de tudo, o que sobra? Os modelos que se nos apresentam de
sucesso e perfeição são aqueles de gente
bem sucedidas economicamente e famosas. A pretensão de se sentir alguém e
importante arranha o brio e estimula a vaidade. Ai mostramos o que gostaríamos
que os outros vissem em nós e pagamos o preço da idiotice. Por isso somos
infelizes. Gastamos o que não temos, aparentamos o que não somos, queremos o
que não é nosso e esquecemos de viver momentos de exuberante alegria como
deixar a cara na chuva.
A pretensão é o maior inimigo da
serenidade. Quando esperamos alguma coisa, seja da vida ou dos outros, vamos
sempre nos decepcionar. Esperamos porque achamos ter direito e isso definha e
joga no vale do desespero o que poderia ser um suave passeio pelas veredas de
uma história que se destila independentemente de que tomemos parte ou não. Tudo
segue seu rumo. Morrer querendo mostrar serviço é a angústia de medíocres que
somente sendo ao centro pode se sentir vivo. A vida é simples e pede apenas que
se saboreie cada momento e que se possa jogar fora todo arrojo e opressão. Vou
tirando os torrões que se cruzam no caminho, desvio-me dos pedregulhos e ponho
minha cara na chuva. Vou andando e sigo até onde a vida me levar.
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