Que queres? Que buscas?

QUE QUERES? QUE BUSCAS?[1]



O desejo é que movimenta a pessoa. O que cada pessoa busca diz muito do que de fato essa pessoa é ou o que almeja ser. O desejo é uma espécie de inclinação, que se compartilha entre a vontade e o instinto. É uma moção (Espinoza), mas também uma tendência (Tomás de Aquino). O desejo expressa a vontade imediata e a busca do que pode trazer a completeza. Fico comovido toda vez que ouço o finalzinho da música que Chico Buarque escreveu para a filha recém-nascida, dizendo o seu melhor desejo: “... e que você seja da alegria sempre uma aprendiz...”.
Haverá coisa maior que se possa desejar? Acho que não. Penso que muitos outros concordam, ainda que esse não seja um assunto que se costume tratar. É esse o nosso pecado original, a falta de alegria. Desejar eleva e faz romper barreiras. Pelo desejo a pessoa é, de algum modo, todas as coisas (parafraseando Tomás de Aquino) e ninguém deseja a tristeza, ainda que ela seja o pão cotidiano. Com alegria se deseja satisfação, realização e sentido.
Alegria é o que acontece com o corpo quando ele encontra com aquilo que desejava. Coisa simples e efêmera... Alegrias são pequenas felicidades que nos realizam no dia-a-dia, ou seja, o bom calor das cobertas, na preguiça do acordar. Um chuveiro quente. Café com leite, pão e manteiga. O bem-te-vi costumeiro, sobre o galho da árvore. Um sapato velho. A caminhada pelas ruas. E o céu estrelado, silencioso. Encontrar algo que se julgava perdido... Cada um pode fazer o rol das suas alegrias – felicidades. Acontece que somos por demais estúpidos, e pensamos que ela é coisa grande e barulhenta. Ao contrário, é discreta, silenciosa e frágil, como a bolha de sabão. Vai-se muito rápido, mas sempre se pode assoprar outras.
Eu acho que é este o propósito da vida. Coisa de criança... Claro: felicidade é voltar a ser criança. Há quem afirme que a maior seriedade de Deus aconteceu quando ele virou criança.
Digo que é este o objetivo da vida: felicidade... Haverá algo melhor? O trabalho? Mas o objetivo do trabalho é o jardim que se planta, ou a casa que se constrói, ou o livro que se escreve... Ou será a ciência? A revolução social? Mas para que é que se fazem as revoluções? Não será, por acaso, para por fim às ferramentas de sofrimento, e assim as pessoas possam ser livres para usufruir o jardim?
O objetivo da vida é a alegria, o prazer, a felicidade. Até mesmo as religiões reconhecem isso ao falar de uma bem-aventurança futura que, a se acreditar nas palavras de Jesus, será o tempo em que todos voltaremos a ser crianças.
Pena que a vida seja tão curta. Há tantas coisas bonitas para serem vistas!
                                   Os bosques são belos, sombrios, fundos.
Mas há muitas milhas a andar e muitas promessas a guardar antes de      se poder dormir,
                                   Sim, antes de se poder dormir (Robert Frost).

A dor se encontra nesta Palavrinha mas. Sim, os bosques são belos, cheios de mistérios... Convidam. O poeta ouve a sua voz. Mas não aceita o convite. E explica: “Não posso. É crepúsculo. A noite se aproxima. Há urgências que me chamam: milhas a andar, promessas a guardar, antes de se poder dormir”. Antes de se poder dormir? Aquela cena será uma metáfora da vida que chega ao fim, como o dia? E o dormir – será a morte? É preciso caminhar rápido. O tempo é breve. Não há tempo para atender a todos os convites da beleza à beira do caminho. A vida é breve. Que pena...
É preciso esquecer os fatos para que as essências apareçam! É preciso abrir a memória da alma! As lembranças da alma não são partes de um passado, é sempre presente. É preciso recuperar o tempo perdido! Sem saudade, pois toda saudade é uma espécie de velhice. É preciso abrir o olho da alma, onde estão as coisas eternas, que permanecem.
Oh! Meus irmãos, a vossa nobreza não deve olhar para trás mas para frente!
Exilados sereis de todas as terras paternas e maternas!
Amareis a terra dos vossos filhos: será este amor que vos tornará nobres – esta terra ainda não descoberta, no mar mais distante...” (Nietzsche).

É preciso plantar uma árvore. Não importa a espécie. O importante é que seja uma árvore que cresça devagar, muito devagar. Tem que demorar tanto para crescer que talvez não alcance sentar à sua sobra. Deverá amá-la pelos sonhos que se abrigam nela. Esta será a sua esperança: dádiva do seu gesto, alegria e felicidade naquilo que ainda não chegou.
Ao colocar a mudinha no chão deve buscar todas as mãos ausentes, moradoras de um outro tempo, ainda não chegado, tempo da alma, da permanência e do essencial. Assim, deverá destinar o próprio corpo àqueles que nascerão depois que você tiver partido.
Você não estará lá para ver. Mas não importa. Por que deve ver tudo isso nos sonhos, nos filhos e os filhos dos filhos que lá estarão. É, não existe coisa mais bela que se possa desejar!



PENSE:
            à Onde você pensa que a sua felicidade reside?
            à Que coisas fazem você se sentir feliz, realizado?
            à Que sentido tem uma vida que não tem busca?
à Você costuma perder tempo com detalhes? Contenta-se com qualquer coisa?                           Procura o que é essencial das pessoas e das coisas? Como ocupa o tempo?
à Você costuma desfrutar a alegria do presente ou passa o tempo sonhando com o futuro ou recordando o passado?
à Nós somos aquilo que queremos ser. Como você se vê num futuro que seja continuação do presente?
            à Que gestos de vida você tem feito para que o futuro possa lhe sorrir?
à É preciso se colocar por inteiro (a) no que se faz. Você se doa completamente no que realiza?
Nem tudo é o que aparenta ser, isso todo mundo presume ou sabe, mas o que poucos se dão conta é que o que pode trazer alegria ou felicidade não é o possuir ou o conquistar, mas o movimento (desejo) que nutre hodiernamente os pensamentos e as ações. O querer, a busca é o que leva a pessoa a se reconhecer como incompleta, que a sua existência é uma trajetória tortuosa e de ferimentos, mas que é nessa incerteza que ela se encontra. Quando alguém já não deseja, o seu querer e o seu buscar se transformaram em aceitação, eis que jaz um cadáver e não uma pessoa. Ser gente é estar em contínuo movimento, saída perene de si mesmo, ainda que isso signifique falta, pois é essa nossa condição enquanto peregrinos.













[1] Texto do Pe. Jorge Ribeiro baseado em alguns escritos de Rubens Alves, especialmente: Se eu pudesse viver minha vida novamente, Tempus Fugit e Pai-Nosso.

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