A morte é obscena?
(P. Jorge Ribeiro)
(P. Jorge Ribeiro)
A morte é um tabu, ninguém
quer falar dela e sobre ela, é algo proibido, quase pornográfico. Os funerais são
como que espaços misteriosos, sagrados e proibidos ou evitados ao mesmo tempo. A
morte é escamoteada de tantos os modos: desde a indiferença, o apego, a
divinização, o distanciamento, a maquilagem e por quê? Somos incapazes de lidar
bem com a vida? A morte é esse monstro todo porque ela é terrível mesmo ou por
que somos insensíveis ao que acontece ao nosso derredor? Onde está a nossa consciência
da morte? Ela faz parte da nossa história, queiramos ou não. Não se trata de
viver atrelado à morte, de fazer dela nosso projeto ou nosso amuleto, mas
aceitar a finitude da própria existência e a condição contingente da realidade
criada. Entre o interesse mórbido, doentio e obcecado pela morte e a mania
desenfreada de ignorar a sua presença que invade sem pedir licença ou concessão,
a presença da morte deve ajudar viver melhor (Montaigne) e dar um sentido
valorativo à vida e não se apegar as coisas transitórias (Evangelho).
A morte causa vertigem,
a angústia ou náusea (Sartre)? Correr da morte, negá-la, afugentá-la,
dissimulá-la, por acaso afasta ou evita que ela alcance alguém? Não nos damos
conta e morremos continuamente: as células se esvanecem, as rugas chupam a
vitalidade, o tempo obscurece a visão, os movimentos se ralentam, os reflexos
se sombreiam, o esquecimento se torna hóspede assíduo, tudo isso é sinal da
nossa morte cotidiana. E as pessoas que conhecemos e já não veremos mais? Tudo o
que começa a existir, ao mesmo tempo começa a morrer. É um absurdo? Pode ser. Essa
visão não é porque se tem a vida como um direito? E se essa vida fosse
percebida como um dom, não mudaria de algum modo, a sua perspectiva e a sua expectativa?
Que a vida é prenhe de morte e a morte é carregada de vida é inegável, e como
lidar com esse juízo de facto sem perder a espontaneidade e descontinuidade que
a existência porta consigo mesma?
A morte é assunto
indesejado, mesmo para aqueles que a trazem no coração, mesmo para aqueles que
respiram seu hálito e para os que vivem como se ela nunca os fosse atingir. A morte
pode despertar nossos sentimentos mais autênticos e não permitir que os espaços
da ausência gerassem o desconforto da solidão e do desencanto. Não sei por que
tanta perplexidade diante da possibilidade da morte, dado que “Ninguém morre antes da hora. O que deixais de tempo
não era mais vosso do que o tempo que se passou antes do vosso nascimento; e
tampouco vos importa” (Montaigne), ou seja, não há espaço para máscaras
e hipóteses, pois cada ser vivo transporta no seu âmago a inevitabilidade de
perecer. Que fazer? Acumular os cadáveres, esconder os mortos ou transferir
esse imperativo para outro tempo? A morte não pode ser vivida, mas pode ser
encarada. A morte pode ser ensejo para viver melhor ou para desprezar a vida, o
que não se pode olvidar é que a morte mortal é a decadência de não ter um sentido
para o qual se vive ou se morre. A causa toda essa complexidade que revestimos a morte
ela se tornou deveras obscena.
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