VIDAS PARALELAS
Começo essa reflexão com uma frase
do filósofo alemão F. W. Schelling, quando no seu livro A essência da liberdade humana, afirma que “Todo nascimento é
nascimento da escuridão para a luz”
(p.41), como novidade sim, mas pode ser da luz para a sombra também; isso significa que todo caminho empreendido é
passagem de uma realidade comum a uma realidade até então desconhecida, o que
exige adaptação, entrega, renúncia, sacrifícios e perspectivas diferentes. A
vida é esse contínuo movimento, onde cada pessoa é mergulhada no seu próprio
mundo e também se entrelaça com o mundo de tantas outras pessoas e esse
emaranhado de relações joga luzes diferentes na estrada de cada um, onde as
transformações e as possibilidades se alternam como horizonte a ser descoberto,
mas também como insegurança, dado que o ainda não experimentado se lança como
areia movediça, capaz de diferenciadas paisagens.
A ondulação e a incerteza do amanhã
provocam reações que passam desde o fechamento ou a fuga até a banalização e o
desespero, entretanto, a maioria das pessoas, como mecanismo de defesa e de
auto sustentação, opta-se por uma vida paralela, quer dizer, da construção de
uma vivência que possa responder ao seu anseio de felicidade ou ao seu desejo
de realização, por muitas vezes desafiando a própria estrutura ou construção
sócio-cultural. Existem os que fantasiam e sonham, chegando a viver um conto de
fadas na própria ideia; outros assumem os riscos das telenovelas e filmes como
se fossem reais; ainda tem os que se esforçam por aparentemente viver o que
queria ser; e tem os que vivem vidas paralelas, o marido bonzinho e pai
presente que faz matador de aluguel; o empresário bem sucedido que se droga ou
se faz garoto de programa; a mulher dedicada que trafica ou que realiza abortos
clandestinos; o professor modelo que participa de grupo terrorista; o policial
durão que é amante do cabelereiro, o religioso moralista que é frequentar
assíduo de botecos. Tantas vidas vividas em paralelo, que no escondido do
cotidiano realizam a própria essência, torna-se o que gostaria de ser.
E por que? Para protestar com uma
escolha sem margens de liberalidades? Por inconveniência de um convencionalismo
mais forte de sua mesma liberdade? Pela incapacidade de ser coerente com os
próprios princípios? Para negar o que já não aceita como seu destino? Por que o
ser humano é multiforme e uma única experiência não seja capaz de preencher seu
desejo de ser ele mesmo? Para desafiar a lógica de um mundo determinista que
aplaude a hipocrisia de quem constrói uma “fachada” de pessoa forte, íntegra e
bem-sucedida? Para continuar sustentando o que seria impossível sem uma janela
para outra paisagem? Por que as fraquezas, o incomum, o diferente, o novo são
ignorados, rejeitados ou marginalizados? A vida paralela ou vidadas paralelas
seriam gritos de revolta de uma natureza que encontra sua dignidade somente na
liberdade‼!
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