Leio que em Astorga inauguraram uma biblioteca pública, e o coração me salta como que ferido de alegria. Porque essa cidade só teria uma lacuna: não tinha nela onde conseguir livros que atraísse os olhares. Suponho que essa era a falha comum das cidades dos anos 30, porém não posso entender como os políticos se preocupavam que uma cidade tenha parques ou fogos artificiais nas festas, porém não se sentiam mutilados se os pequenos vivíamos de mendigo da alma.
Afortunadamente na minha casa tinha alguns livros, e meus pais sabiam que, para mim, não tinha Reis maiores que os que traziam os livros. Mas mesmo assim nenhum deles matava a sede de leitor que eu trazia dentro de mim. Estou seguro que se na minha infância tivesse uma máquina fotográfica em minha casa, a imagem que mais se repetiria no álbum era minha, lendo e lendo sem me dar conta do mundo que girava ao nosso redor (digo nosso porque sempre considerei os livros como autênticas pessoas).
Quando cheguei ao seminário me deparei com uma grande biblioteca, mas sempre fechada, sem que os estudantes a freqüentassem. Confesso que a parte mais fúnebre da minha infância é não ter lido muito mais livros, ainda que a culpa não seja minha, mas porque na minha cidade não tinha uma biblioteca pública...Por isso, como não me sentir feliz, ao pensar que os meninos de hoje tenham tão grande oportunidade em suas vidas? Porque não quero sequer pensar que eles, tendo essa impagável oportunidade, prefiram a televisão.
Aquela infância sem oportunidade de ler muitos livros, foi um estímulo para que sempre esteja com um livro entre as mãos. Ainda hoje, quando repasso a história de minha vida, separo seus capítulos por livros: desde que li a Baleia até que me enamorei de Camilo Castelo Branco; desde que devorei a Serra dos dois Meninos, de Aristides Fraga Lima, até que descobri Machado de Assis, Lima Barreto e Jorge Amado; desde que memorizei os versos de Castro Alves até o dia que se me deslumbraram os Irmãos Karamazov de Dostoiévski; depois me encantei com São Bernardo, Meister Eckeart, Schelling, From, e assim até hoje.
Poderão dizer isso amanhã os meninos de hoje? Não estou muito seguro. Porque, quando vejo os filhos de meus amigos tragar ruminantes horas e horas de televisão, temo que se acostumem a esse tipo de “alimentos digeridos” y que cheguem a carecer desse agradável valor que supõe o por em marcha a própria imaginação. Recordo-me que o que mais me impressionou nesse mundo encantado dos livros foi o que disse Bradbury no seu livro chamado Fahrenheit 451: Se os livros fossem proibidos e as pessoas deixassem de os ler, não porque fossem proibidos de ler, mas porque o público abandonasse a leitura espontaneamente. Os jornais morriam como enormes borboletas, ninguém desejava voltar a lê-los. Quando desapareceram, ninguém sentiu a falta...
Isto será possível? Essa sim que seria a pior bomba atômica, a mais limpa de todas: a que esvaziaria aos homens por dentro, sem que eles mesmos se dessem conta. Posso gritar aos pais que livrem os seus filhos desse possível espanto? Posso suplicar aos governantes que apliquem seu dinheiro em bibliotecas, ainda quando fazer isso seja menos demagógico, conquiste menos votos e não permita luzir seus faróis tanto quando inauguram uma castelo no ar ou colocam palanques nas praças?
O que sabemos, sabemos entre todos, pois gênios não existem, o que existe são pessoas que têm muitas cabeças porque leram muitos livros e porque souberam os assimilar. A leitura é medicina da alma. Não quero que os meninos de hoje recordem no século XXI as bibliotecas somente como um lugar cheio de poeira e povoada somente de chaves e cadeados.
Pe. Jorge Ribeiro
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Um comentário:
Gostei da história "Menino na Biblioteca"
Lembrei-me do meu filho, um dia ele pediu para colocar uma banca de revista/livraria para ele trabalhar porque assim poderia ler todos os livros e revistas antes de verder. Bom se todos gostassem de ler como vocês, o mundo seria bem diferente!
Abraço.
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